quinta-feira, junho 29, 2006

NOVOS TRECHOS DE "A CONFRARIA DOS HOMENS DE BEM"

Já no estacionamento Abel realizou o ritual que já se tornava um hábi­to. Discretamente tentava detectar atitudes e veículos suspeitos pelas ime­diações. Viu apenas o pipoqueiro e o vendedor de algodão doce, na verdade agentes de segurança disfarçados contratados por Sforza. Foi-lhes dito que o editor da Proeza vinha sofrendo ameaças e que precisava de uma vigilante proteção. Do outro lado do estacionamento um Tempra branco esperava que Abel saísse para que logo em seguida o escoltasse, procedimento do qual ele já estava a par. Podia partir tranqüilo e colocar-se à espera do deputado, um tipo de ídolo dos confrades, ou então o eleito entre eles para alcançar por outros meios aquilo que eles conseguiam pela remoção de “entraves que impedi­am que a sociedade alcançasse a harmonia e o bem-estar em sua plenitude”.

Pensavam que ele precisava ouvir as palavras de Rosa para finalmente abraçar a causa dos homens de bem. Será que eles não percebiam que ele já pouco se importava se eles matavam suas vítimas por enforcamento ou inani­ção? Que ele já aceitara o que lhe acontecera como natural e inevitável? Os últimos meses ensinaram-lhe a ser mais pragmático. Um tanto quanto cínico ele já era. Agora ele dizia a si mesmo que não adiantava continuar a sentir remorsos ou culpa. O que ele poderia fazer? O sangue não deixaria de impreg­nar suas mãos em hipótese alguma. Se denunciasse a Confraria, poderia ganhar proteção da polícia enquanto assistia às investigações sobre as atividades dos confrades. Proteção? Eles prometeram que não lhe infligiriam nenhum dano físico. Enfim, conseguiriam provar alguma coisa contra eles, contra conspi­radores tão eficientes e meticulosos? Se eles fossem presos, se a Confraria fosse desmantelada, os estranhos e fatais incidentes cessariam, mas os atos inescrupulosos daqueles ligados à administração e à representação públicas continuariam a causar sérios problemas aos menos favorecidos. Eles sujaram suas mãos para sempre ao travarem com ele o primeiro contato.

Melhor permanecer do lado mais justo. Ou menos injusto. Tanto melhor que conseguiu um bom emprego, um salário invejável e a vida que teria pedido a Deus se acreditasse em um. Que importava se estava convencido ou não da justeza dos atos da Confraria? Não estava minimamente disposto a abrir mão do que conquistara; não apearia do cavalo da fortuna. Conversaria normalmen­te com o deputado. Mas nada do que lhe fosse dito alteraria seu pensamento. Estava sinceramente curioso a respeito das idéias daquele homem. E do próprio homem. Queria saber detalhes de seu projeto. Sentia-se privilegiado por vislumbrar o embrião de uma candidatura à presidência da República. Um con­frade-presidente. Idéia impensável, de difícil digestão.

***

Raful sorriu de forma complacente. Os outros confrades também não se livraram de seus sorrisos. Alguns trocaram curtas e cochichadas palavras.
— Mas, Abel... — disse o delegado. — Ao participar deste projeto estou... hã... exercendo minha profissão com mais eficiência. Minha função é proteger e servir a sociedade. E é exatamente o que a Confraria também faz. Removendo alguns elementos daninhos, estou... estou realizando uma... profi­laxia. Isso. Uma profilaxia contra as doenças que afligem a sociedade. Pro­tejo-a contra seus parasitas e sirvo-a através... através da minha total entrega a este projeto que só... hã... objetiva o bem comum. Toco meu violão com a mais tranqüila das consciências.
— Não há como argumentar com vocês... — disse, lançando o olhar em volta. — E esta palhaçada toda, o que foi? Um teste? Vocês sabiam de minha relação com Raful. Sabiam o tempo todo. Então resolveram testar minha leal­dade. E eu fui lá investigar, dócil e obediente como um cachorrinho. Eu fa­lhei como amigo, mas vocês ficaram exultantes com isso, pois era o que que­riam que eu fizesse. E então? Como me saí?
— Muito bem — disse Rosenfeld. — Fez o que se espera que faça um homem de bem. Acima das amizades está o bem comum. Você não pode apoiar al­guém que nada no erro por esse alguém ser seu amigo, um amigo que prejudica a grande maioria. O homem de bem pensa mais alto.
— Você foi aprovado — afirmou Benício.
— Parabéns — disse Silvano, apertando a mão de Abel. — Parabéns, confrade Abel.
Subitamente toda a sua cor esvaíra-se. Sentia um frio glacial percor­rer-lhe o corpo de e para todas as direções. “Confrade Abel”? Um teste. Como aquele pelo qual Bruno Luft passara. Mas o rapaz queria tornar-se um confra­de. Abel não desejava tal honra. Esquadrão da morte de luxo... Mas, olhando as coisas de outro ângulo, ser membro da Confraria significava que eles ti­nham total confiança nele. Significava estar no poder, ser o poder, caso vingasse o projeto político. Significava também a substituição da omissão pela cumplicidade em relação aos crimes nascidos naquelas reuniões. Mas ele já estava preso de corpo inteiro naquele sinistro emaranhado. Seu destino não seria tão diferente do dos outros na hipótese de a conspiração ser um dia descoberta. Sim, que mal havia em ser tratado de confrade? Afinal, nada mais mudaria em sua vida. Ele apenas passaria a ser tratado por um título, uma mera palavra, não era isso? Com a vantagem de usufruir os privilégios que o poder costuma oferecer.
— Confrade Abel... — divagou o jornalista. — Não soa tão mal.
A partir daquele momento teve de enfrentar uma demorada sessão de abra­ços e apertos de mão. Todos queriam saudar e dizer parabéns ao novo irmão. Uns de maneira mais efusiva que os outros. Bruno Luft cometeu o exagero de um beijo na face esquerda.
— Valeu, Abelão, meu velho. Se não pudemos ser cunhados, agora somos bem mais que isso. Somos confrades, logo irmãos.
— E que não passe disso — disse Abel, esfregando o rosto.

***

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