sábado, junho 10, 2006

TRECHO DE "A CONFRARIA DOS HOMENS DE BEM"

NO TRECHO ABAIXO, CONFIRA A DESCRIÇÃO DE UM DOS "SERVIÇOS DE LIMPEZA" PROMOVIDOS PELA CONFRARIA:

"O pai foi um daqueles imigrantes italianos que chegaram ao Brasil tendo como propriedade apenas a roupa do corpo. Sua bagagem era invisível: sofrimento, generosidade, sabedoria e a paixão pelo futebol. “Não fui para os Estados Unidos perché lá non tem calcio”, costumava dizer o velho Vicenzo. Pelo menos esta última característica Carlo Antognoni herdou do pai, que o conduzia pelo braço para assistir aos jogos do antigo Palestra Itália, fossem eles realizados no Pacaembu ou em qualquer outro estádio. As décadas passaram, o Palestra tornou-se Palmeiras, mas a paixão de Carlo não arrefeceu. Naquela noite, como sempre fizera, juntou-se aos aficcionados de todas as classes sociais que dividiam as arquibancadas do estádio do Morumbi. Carlo enriquecera: era dono de um daqueles pequenos bancos sem agência, mas que fazem fortunas no mercado financeiro. Mesmo assim não migrara para os reservados lugares destinados aos mais bem aquinhoados. Justificava-se declarando que aquelas arquibancadas, aquela maioria de gente simples não permitiam que a memória de seu pai morresse. Era como voltar ao passado, como se o velho Vicenzo estivesse ali do lado.

Era noite de clássico. Palmeiras e Corinthians. Carlo Antognoni foi sozinho ao estádio. Seus filhos não gostavam de futebol. Onde já se viu uma coisa dessas? Afinal, de que eles gostavam? Para que pensar nisso naquele momento? Havia coisas mais importantes com que se preocupar: coisas como o jogo, que estava para começar. Espremido entre outros torcedores de seu time, Carlo, com a camisa verde e branca do Palmeiras, liberou seu arsenal de impropérios contra o árbitro, seus auxiliares e os adversários assim que a bola começou a rolar. A todo momento levantava-se e voltava a sentar-se. Tudo estava fadado a correr normalmente. Carlo prosseguiria em sua liturgia de torcedor anônimo até o final da partida e iria embora para casa: alegre, frustrado, nervoso ou inconformado, de acordo com o resultado do jogo. Mas nem tudo correu normalmente.

A todo instante vendedores de sorvete, amendoim, pipoca, cerveja passa­vam na frente do banqueiro. Este apreciava apenas o último item. Um desses comerciantes resolveu parar, tapando a visão de Carlo, que reclamou. O ra­paz, moreno, forte, pediu desculpas e abaixou-se com sua caixa de isopor. Vendia sorvetes. Ali ficou, em que pese sua presença atrapalhar o ir e vir de seus colegas e o conforto do público. Levantou-se somente quando quase metade do estádio também fez o mesmo: o Palmeiras marcara um gol. Evidente­mente Carlo foi um dos que se levantaram em júbilo. Agitava os braços e o­lhava para o céu, como se agradecesse a algo ou alguém a graça recebida. Desse modo não teve como notar que o vendedor de sorvete retirara um pequeno punhal de sua caixa afinal desprovida de sorvetes. Sorriso no rosto, grito de gol na garganta, mão esquerda nas costas do banqueiro, trazendo-o para junto de si como se quisesse partilhar sua euforia, o rapaz cravou a lâmina na barriga de Carlo, trazendo-lhe a cabeça para seu peito, com o objetivo de abafar qualquer som. Tudo muito rápido, impercebido. Colocado novamente o punhal na caixa, o falso vendedor fez com que Carlo, já sem forças para gri­tar de dor ou por socorro, se sentasse; e sumiu na multidão. O filho do sau­doso Vicenzo expirou com as mãos sobre o ferimento.

Passado o entusiasmo daquele momento tão esperado, as pessoas retorna­ram aos seus lugares. Pouco depois o espectador que se sentava do lado es­querdo do banqueiro explodiu de irritação. Que história era aquela daquele velho ficar se apoiando em seu ombro? “Desafasta, vovô!”, teria gritado o rapaz. O “vovô” foi empurrado e caiu sobre os ombros do espectador à direi­ta. Foi então que notaram que havia algo errado. Vertia sangue da região abdominal de Carlo, manchando sua camisa e sua calça. O líquido escorreu pelo concreto, indo formar uma poça aos pés de Antognoni. Ao verde e ao branco de sua camisa juntou-se um inesperado vermelho, numa póstuma e irôni­ca homenagem à Itália do velho Vicenzo".

Caso alguém - certamente vítima de insanidade temporária (ou definitiva) - tenha vontade de ler a obra completa, há diferentes meios de se atingir tal objetivo:

À direita há um link para o site da Papel & Virtual Editora, bem na página em que o livro está à venda. Caso queira receber por e-mail, em PDF, há uma taxinha simbólica de R$ 5,00. Eu mesmo mando o livro para seu endereço eletrônico.


Meu e-mail é franciscocabral@gmail.com

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