domingo, junho 18, 2006

TRECHO DE "O AMIGO DE PRAGA"

A manhã enchia de sol os poços, o dorso dos animais, as copas das árvores, pontilhando a fazenda de reflexos esparsos. O doutor Conrado chegou de bom humor e exalando tranqüilidade. Isto porque não sabia o que o esperava.

— Bom dia, Prudente. Quem é o paciente? Gostou da rima? Uma pessoa eu sei que não é: Dennis. Aquele rapaz parece ser imune a tudo.

Tem razão, não é ele. Vem comigo, Conrado.

Não vai me dizer que é a Matilde de novo — dizia enquanto subia a escada. — Disse pra ela não descuidar da press...

O médico ficou paralisado ao vislumbrar seu paciente sentado com as costas apoiadas na cabeceira da cama.

Quer que chame um médico para o senhor, doutor? — sorriu Dennis.

Enquanto fazia os exames, Conrado foi inteirado da história.

— Agora eu solicito que vocês se retirem, pois será necessário que o paciente tire a roupa e não seria ético se...
— Já entendemos, Conrado — atalhou Prudente.

Pouco depois a porta era reaberta. Ansiosos, avô e neto entraram rapidamente, como se quisessem notícias de um parente muito próximo.

— Olha, gente, o... Ers.., o Etevaldo não apresenta nenhum dano aparente. Sem hematomas, sem fraturas. Anatomicamente, sem olhar mais de perto, ele pode se passar por um humano. Mas apresenta aquelas características que notei no cadáver de seu companheiro: uma pele grossa, resistente; uma densidade a toda prova; a testa altíssima, um crânio inflado, que deve guardar um cérebro mais volumoso que a média humana.
— Como assim... denso? — indagou Prudente.
— Bom, ele é ultrapesado. Seus ossos, seus músculos, até sua pele... Tudo com um peso anormal. Para os nossos padrões, obviamente.
— Ele parece ter perdido a memória, doutor.
— Meu palpite, Dennis, é que, como costuma acontecer nos acidentes de trânsito, seu cérebro deve ter se chocado com a parede do crânio devido à repentina desaceleração. Como o restante de sua anatomia é similar à humana, seu cérebro deve apresentar semelhanças com o nosso. Assim sendo, as áreas responsáveis pela fala e pela memória devem ter sido atingidas.
— Ou talvez somente a da memória. O que ele pode ter esquecido é a língua que falava.
— Não sei... Na espécie humana...
— O que falta para ele ser considerado humano?
— A questão não seria essa: teria ele algo mais que o torna mais que humano? Como ia dizendo, entre nós é difícil que um traumatismo dessa natureza nos retire a capacidade lingüística. Geralmente não é apagada toda a memória, mas parte dela. Mas neste caso... Nem sei como agir. O primeiro passo seria uma chapa, um exame de ressonância magnética, uma tomografia. Ele pode ter um simples coágulo ou um dano permanente.
— Ele tem de fazer uma ressonância. Temos de dar um jeito de levá-lo para Brasília. É o centro mais próximo.
— Dennis, meu filho, como vamos fazer um negócio desses? Primeiro temos de passar pelos enxeridos; depois, procurar um hospital com enfermeiras e médicos especializados em extra-terrestres. Conhece algum?
— Doutor Conrado, o senhor deve ter amigos médicos em Brasília, não?
— Meu filho tem uma clínica toda equipada lá. Ele é neurologista.
— Ótimo, Ótimo. O senhor poderia prescrever um pedido de exame para o Etê? Ou melhor, para o jogador de vôlei tcheco Ernst Tchapek, que está em férias no Brasil?
— Eu poderia, mas...
— Ótimo. Então está resolvido. Diga a seu filho que o Etê sofreu um acidente de trânsito em Alto Paraíso, que ele estava de cinto, mas que o cérebro deve ter sofrido algum dano, sabe como é que é. Vamos dar um jeito de levá-lo escondido e...
— Dennis, Dennis...
— O que o senhor prefere fazer, vô? Deixar o Etê definhar por falta de socorro médico em tempo hábil?
— É, parece que não tem outro jeito.
— Não tem, não tem. Temos que arranjar roupas, roupas humanas para ele. Vamos mandar fazer, se preciso.
— Esse seu neto é hiperativo, Prudente. Uma hora queima o fusível. Quanto à alimentação do nosso amigo, recomendo uma dieta leve e moderada. Vamos deixar ele se acostumar com nossa comida. Mas devo avisar que meu filho certamente vai estranhar a compleição física e o cérebro do rapaz.
— É um risco que obrigatoriamente teremos de correr.


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