quarta-feira, dezembro 28, 2011

DICAS (ACUMULADAS) DE LIVROS

Falta de tempo, desleixo, pura malandragem... São muitos os motivos pelos quais este blog encontra-se tão desatualizado. Para compensar (como se alguém estivesse sentindo falta...), aqui vão algumas dicas, juntinhas num mesmo post.

DAYTRIPPER - Prova viva da maturidade alcançada pelos quadrinhos (algo que aconteceu há muito tempo, mas longe da percepção da maioria), a obra dos irmãos brasileiros Gabriel Bá e Fábio Moon foi lançada originalmente em inglês pelo conceituadíssimo selo norte-americano Vertigo. O mesmo que foi responsável pelo lançamento do nome do britânico Neil Gaiman, que revitalizou o personagem Sandman em 1989.

O livro fala das muitas vidas e mortes de Brás, um personagem cujo nome é uma explícita homenagem a Machado de Assis. O resultado, acredito, deixaria orgulhoso o Bruxo do Cosme Velho. Gabriel e Fábio, antes e depois de Daytripper, já fizeram muitos trabalhos para diversas editoras dos EUA. Curiosidade: o Brás é a cara do Chico Buarque.

Para mais detalhes, favor clicar neste link.

O PRÍNCIPE MALDITO - Mais um livro da imaginária série "Coisas que nossos livros de história do tempo da escola não contam". A historiadora Mary Del Priore nos presenteia com mais uma bela obra, uma nova e esclarecedora viagem ao passado. Assim foi possível conhecer a fascinante e estranha história do quase-imperador Dom Pedro III.

Pedro de Alcântara Augusto Luis Maria Miguel Rafael Gonzaga de Bragança Saxe e Coburgo, primeiro filho da princesa Leopoldina e de seu marido gringo, Luis Augusto Maria Eudes de Saxe e Coburgo, não era o primeiro na linha sucessória. Na sua frente estava a princesa Isabel (aquela da Lei Áurea). Como esta demorava a engravidar do também gringo conde Gastão D'Eu, o povo (ou os cariocas?) tornara-se simpático à ideia de que a coroa passasse a ornar a cabeça loura (mas um tanto quanto desequilibrada) de Pedro Augusto depois que Dom Pedro II morresse. Além do mais, a popularidade de Isabel era uma mescla daquela conquistada no final do segundo mandato por Bush Filho e FHC. 

Mas a princesa, enfim, teve um filho, ou seja, a continuidade da dinastia estava garantida para além da morte dela. Então já não fazia sentido repassar a primazia da sucessão ao sobrinho da herdeira. Mas as articulações continuaram. Gente de dentro do governo e do Exército era favorável à coroação do jovem príncipe, por não concordar com a carolice de Isabel e com as maracutaias protagonizadas pelo Conde D'Eu. Dizia-se, aliás, que ele, o gringo, é quem governaria o país, algo inaceitável para os nacionalistas. A autora relata também os desmandos no conde durante a Guerra do Paraguai, fatos que em nada ajudaram em sua imagem perante os brasileiros e os militares.

A rivalidade dentro da família imperial, as intrigas políticas, as negociações, a busca de apoio entre ministros e senadores (vixe, tá parecendo coisa que a gente conhece muito bem...), tudo isso ficou para trás com a proclamação da República. A corte foi expulsa do Brasil, ganhamos um presidente, eleições e o príncipe Pedro Augusto perdeu definitivamente a cabeça.

Saiba mais sobre esse saboroso livro indo a esta página.

NOTAS SOBRE GAZA - Outro ótimo lançamento de 2011 foi Notas sobre Gaza, do jornalista/desenhista maltês Joe Sacco. Depois de escrever (e desenhar) sobre as crises mais recentes na Palestina, Sacco resolveu, assim como Mary Del Priore, voltar no tempo. De tanto ouvir falar sobre o massacre de 1956 na Faixa de Gaza, perpetrado por militares israelenses, ele resolveu pesquisar o assunto. O resultado é mais uma obra-prima dos quadrinhos jornalísticos (se é que existe tal categoria...).

Sacco também escreveu sobre os conflitos na Bósnia e, a exemplo do Oriente Médio, viveu com os nativos, conversou com eles, tirou fotos, fez anotações, correu riscos e, enfim, conseguiu atingir, em minha opinião, o patamar de um John Hersey, de um Gay Talese (favor não deixar de ler também estes dois monstros do jornalismo literário - ou da literatura jornalística?).  


Menção honrosa também para o novo livro do Fernando Morais (Os Últimos soldados da guerra fria), O Sonho do celta (Mário Vargas Llosa), Hitler (Ian Kershaw) e, claro, todos as obras sobre os 30 anos do título mundial do Mengão.

Sobre o grande ano dos quadrinhos no Brasil, uma das melhores fontes é o Blog do Paulo Ramos.




quinta-feira, julho 21, 2011

GOIÁS NA OBRA DE MACHADO DE ASSIS

Uma província tão periférica em relação à corte brasileira, no século XIX, quanto as cidades amazonenses da fronteira com a Colômbia nos dias de hoje, Goiás, mesmo assim, cavou espaço na obra do nosso maior escritor. Não consta que Machado de Assis tenha passado pela terra do pequi, mas o conto A Parasita Azul, publicado no livro Histórias da Meia-Noite, foi ambientado em terras goianas. Ele não diz em que cidade, mas sabe-se que o lugar tinha uma festa do Divino Espírito Santo (que nem no "Chico Mineiro").

O título esquisito não revela, mas trata-se de uma história romântica, em que Goiás entra apenas como moldura para o caso do rapaz que volta ao lar depois de estudar medicina em Paris. Há o clichê do choque cultural, um amor que ficou para trás (com uma princesa russa!), o pretendente rival ciumento. Mas a maestria machadiana está lá, intacta, única, irônica, elegante.

Só que o rapaz acaba se apaixonando por uma goiana tão deslumbrante quanto arredia, desiste da França, da princesa e... Bom, melhor parar por aqui. Quem quiser ler o conto todo sem gastar dinheiro pode desfrutar desse prazer sem peso na consciência. A obra do bruxo do Cosme Velho já caiu em domínio público faz tempo e pode ser baixada legal e gratuitamente por meio de infindas fontes.

Por exemplo, esta imprescindível página: http://www.dominiopublico.gov.br

A Parasita Azul está aqui.

segunda-feira, julho 04, 2011

MICROCONTO MEIO QUE INCLASSIFICÁVEL

Advérbio de Almeida

Sem-eira-nem-beiramente, cresceu perto do cais, onde a-ver-naviosmente sonhava com aventuras para além de sua doméstica mezzomental, mezzofísica clausura. Acabou partindo via-terrestremente, resolvendo parar na cidade em que as pessoas mais coloridamente se vestissem.

Como, contrariamente a tudo que esperava, as pessoas coloridamente vestidas levassem a vida acinzentadamente, sua cabeça turbilhonou-se ao ponto de autoperdição. Fora-de-orbitamente, perpetrou desatinos e crescentemente tornou-se uma ameaça à cinza sociedade.

Atos eticomoralegalmente condenáveis tornaram-no habitofrequentemente hóspede do sistema penitenciário local. Quando, num paroxismo hemorrágico-perfurocortante, deixou permanentemente sem vida um cúpulo-influentemente bem colocado indivíduo, ganhou o direito de viver xilindrorreclusamente.

Comportamentalmente correto, saiu em menos de seis anos. Centradamente, empregou-se, casou-se e firmou-se. Socialmente aceito, comprou casa perto do cais. Ensimesmadamente, embora trabalhasse assoberbadamente, quedava-se a-ver-naviosmente. Como dantes. O passado, repleto de advérbios escolhidos erradamente. Talvez. Sim ou não. Não importa. Mesmo. O que importa é o advérbio que restou: infelizmente.

sexta-feira, junho 24, 2011

DICA DE LIVRO: NO TEMPO DAS ESPECIARIAS

Os americanos que dançavam o vira

Eles rodavam o mundo em busca de boas oportunidades de negócio. Quando as encontravam, fechavam negócio. De qualquer maneira, mesmo que não tivessem o consentimento da outra parte. Quando seus interesses, ainda que fossem na verdade os interesses de sua elite, eram ameaçados, partiam para a ignorância usando quaisquer pretextos, agarrando-se a qualquer justificativa, mesmo que esta não justificasse nada, pelo menos aos olhos e ouvidos de seres dotados de alguma sensatez.

Antes que me acusem de estar fazendo mais um exercício de jornalismo futurista, daqueles que aparecem em obras de ficção científica ambientadas no porvir, esclareço que o parágrafo acima não se refere aos hábitos contemporâneos dos Estados Unidos enquanto entidade promotora de ações público-privadas em grande parte desprovidas de simpatia pelo mundo afora. O relato é parte do que se pode depreender do livro "No tempo das especiarias", de Fábio Pestana Ramos, que conta a saga do portugueses no breve (historicamente falando) período  em que nossos "descobridores" dominaram a rota marítima das Índias e conquistaram o título de Império da Pimenta.

Sem tato e sem qualquer diplomacia, Portugal começou a fazer seu caminho alternativo rumo à fonte das valiosíssimas especiarias pela costa da África. Para vender o produto diretamente na Europa, sem o incômodo dos mercadores italianos e árabes, que faziam a rota por terra, os conterrâneos de Camões impunham-se pela força a quem estivesse pela frente. Com a desculpa de que precisavam combater os infiéis (muçulmanos) e/ou trazê-los para a "verdadeira fé", obtinham facilmente bulas papais, espécie de autorização do Vaticano para a prática de atrocidades, carta branca para expor partes do corpo que normalmente não veem a luz do dia, desde que os proprietários desses órgãos não fossem bons cristãos.

Já Bush júnior recorria a fajutos relatórios sobre a existência de armas de destruição em massa escondidas em território iraquiano... Mas voltemos aos séculos XV e XVI.

Com incontornável e truculenta mania de impor suas religião e cultura aos povos litorâneos da África e da Ásia, os portugueses foram colecionando inimizades e antipatia. A fama já os precedia quando finalmente chegaram ao subcontinente indiano. Assim, não era de se estranhar que os nativos rebelassem-se a todo momento, chegando a fazer associações com os "bonzinhos" ingleses e holandeses contra nossos patrícios. Com mais, digamos, jogo de cintura, as outras duas potências marítimas ficaram com o espólio do breve império luso nas Índias até meados do século XX.

Além da marra, pesou contra a hegemonia portuguesa o fato de que em 1580 a Espanha abocanhou toda a península ibérica, graças à impetuosidade irresponsável do rei Dom Sebastião, que gostava de tomar a linha de frente das batalhas de peito aberto, pleno de patológica coragem. Os mouros o mataram na famosa contenda de Alcácer-Quibir, ele não tinha herdeiros, o reino ficou na dúvida sobre quem tinha direito ao trono, as elites estavam simpáticas aos vizinhos, abriram-lhes uma brecha, eles vieram e pronto: Inês era morta (opa, este é outro episódio - o da Inês - da lusa história).

Bom... e que lição tirar de tudo isso? Nenhuma. Só constatar que mudam os tempos, os nomes, as nacionalidades, mas o ser humano é o mesmo, a mentalidade não evolui em um aspecto: a ganância. Quem detém o poder exerce-o sem pudor. A potência de plantão vai sempre explorar ao máximo os outros povos. Sempre foi assim antes de Portugal. É assim com os Estados Unidos hoje - e crescentemente com a China.

Portugal só entrou no baile por causa do livro do Fábio Pestana Ramos, cheio de méritos e digno de elogios pela extensa pesquisa em arquivos lusitanos e também brasileiros - já que ele fala da "carreira" do Brasil, sucessora da rota da Índia.

O único problema em relação à obra é que, especialmente por ter resultado de uma tese de mestrado, apresenta muitos deslizes gramático-ortográficos. Outro reparo para as próximas edições é prestar atenção aos nomes de pessoas e lugares. Por exemplo, somente na página 182, o rei Felipe II, primeiro soberano durante o domínio espanhol, foi chamado de Henrique, Fernando... e até de Felipe.

NO TEMPO DAS ESPECIARIAS
AUTOR: FÁBIO PESTANA RAMOS
EDITORA: CONTEXTO
288 PÁGINAS
ISBN: 978-85-7244-334-0

segunda-feira, maio 16, 2011

MICROCONTO DESNECESSÁRIO: O PRETERIDO

Ele era perfeito para o cargo. Três graduações, dois mestrados e um doutorado. Mais de 20 anos de sucesso comprovado no serviço privado, em que angariou uma imagem de competência, seriedade e integridade. Quem o conhecia estranhou quando ele se aproximou de alguns políticos nas últimas eleições. Chegou inclusive a fazer algumas doações para certas campanhas. Então revelou que tinha o sonho de ocupar um cargo público. "Quero contribuir com a sociedade com algo mais, fazer algo diferente", discursava, transparecendo sinceridade. Com a vitória dos candidatos que apoiara, foi naturalmente cogitado para o primeiro escalão do governo. Dia após dia, esperava pelo anúncio de seu nome. Nada. Preenchidas todas as vagas principais, ele começou a sondar os "amigos" políticos sobre os motivos do esquecimento de seu nome. Na verdade não havia nada de errado com ele. Mas faltava algo mais, algo que as pessoas não lhe diziam com clareza, mas que ele percebeu do que se tratava. Exasperado, ligou para o grande cacique político: "E quem disse que eu sou honesto?"

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

DICA DE LIVRO: LENIN: A BIOGRAFIA DEFINITIVA

A amoralidade na política ou no exercício do poder é algo tão antigo quanto o surgimento do primeiro líder da história humana, provavelmente em volta de uma fogueira, talvez depois de uma altercação física, no interior de uma caverna africana. A sistematização da velha máxima segundo a qual os fins justificam os meios se deu com Maquiavel, no século XV. Era o fim da hipocrisia. Seu “O Príncipe” tornou-se uma espécie de manual de operações do bom (e mau) governante nos séculos seguintes.

Outras correntes de pensamento surgiram, teorias políticas entraram e saíram de cena, filósofos mais ou menos sérios desovaram suas teses e utopias, emergiu a raça dos sociólogos... Mas no final tudo, absolutamente tudo – em se tratando de prática e manutenção do poder – acabou se tornando uma mera variação sobre a base lançada pelo autor florentino.

Por exemplo: quando você ouvir governantes (atuais ou de outrora) implorando para que esqueçamos o que eles escreveram, isto é Maquiavel. Quando você ler que determinado poderoso de plantão está agindo de forma eticamente contrária àquela que pregava quando na oposição, isto é Maquiavel. Quando você notar que aquele partido que você admirava nos tempos de combate à situação passou a agir como seus antigos alvos, isto é Maquiavel.

Ora, Lenin pegou o que Marx escreveu e adaptou às suas necessidades revolucionárias (nascia o marxismo-leninismo) e, depois de chegar ao poder, distorceu suas próprias teses em nome da governabilidade. Isso tudo se parece com fatos ocorridos no Brasil das últimas décadas? Pois é: isto também é Maquiavel.

A biografia de Lenin escrita por Robert Service vale-se de documentos que só vieram à luz com o fim da União Soviética. Ou seja, vai muito além das hagiografias autorizadas pelo regime de Stalin e seus sucessores. Dos porões dos arquivos soviéticos surge um Lenin mais maquiavélico que Maquiavel. Um animal totalmente político, que não via problemas em sacrificar pessoas e ideias (até as suas próprias) em nome de um projeto de poder.

Depois da revolução de 1917, alguns bilhetes endereçados a aliados, de tão chocantemente violentos, foram mantidos estritamente confidenciais por mais de sete décadas. Neles, o homem que rolava no chão ao brincar com sobrinhos e filhos de amigos “sugeria” friamente e execução de centenas de pessoas. São várias as provas de ações verdadeiramente desprezíveis. Até Stalin corou.

Mas a revolução deveria prosperar custasse o que custasse. E o terror era uma política de Estado. Uma sugestão maquiavélica elevada à enésima potência. Service informa que Lenin leu Maquiavel. Tendo ou não levado ao pé da letra as recomendações do velho puxa-saco do príncipe de Florença, o fato é que o fundador da ditadura do proletariado (só no nome, diga-se en passant...) anabolizou as ideias do florentino e acrescentou seu próprio tempero. Assim como fez com Marx. E ajudou a incorporar de vez ao inconsciente coletivo a realpolitik.

Desse modo, praticamente todo político, ao chegar ao poder, de forma consciente ou não, deixa de ser aquele que aparecia no horário eleitoral (no caso brasileiro, evidentemente). Quando você perceber tal metamorfose, não se espante mais. Isto é leninismo. Mas também é Maquiavel.



Lenin: a biografia definitiva
Título original: Lenin: a biography
Autor: Robert Service
Tradutor: Eduardo Francisco Alves
Editora: Difel
Formato: 16 x 23  
630 páginas