quinta-feira, junho 01, 2006

LITERATURA: EDITORA 34 DEVE SER CULTUADA PELOS LEITORES DE BOM GOSTO

Fãs de Dostoievski - e da boa literatura em geral - há décadas vinham tendo dificuldades para encontrar o livro Os Demônios em português. Há alguns anos, a editora 34 lançou a coleção Leste, com traduções diretas do original de obras de autores eslavos. Assim, os leitores brasileiros puderam, enfim, conhecer a engenhosa literatura do tcheco Karel Tchápek, que, com suas Histórias Apócrifas, cunhou o termo robô.

Várias obras-primas depois, a editora ressuscitou Os Demônios, repetindo o ótimo trabalho feito com a republicação de Crime e Castigo, a obra mais conhecida de Dostoievski, ao lado de Os Irmãos Karamazov.

Vale a pena saber mais sobre o livro menos conhecido do grande escritor russo. Confira abaixo o texto publicado na Wikipédia.


"As obras dos grandes escritores russos começaram a receber um cuidado especial. Para quem gosta de Fiódor Dostoievski (1821-1881), uma fonte segura de leitura são as novas edições da editora 34, que estão sendo traduzidas direto dos originais russos. A grande maioria das versões que tínhamos no Brasil eram feitas das versões francesas que, tiram muito da forma crua e direta da escrita de Dostoievski e também dos demais escritores. Isso é um grande problema dos livros que passaram por versões francesas, eles sempre davam uma 'romanceada' no que eles não achavam poeticamente perfeito.
Além dessa alteração na fonte, algumas versões brasileiras também foram alteradas para manter uma ordem poética. Isso acontece muito com traduções feitas por escritores ou poetas brasileiros. Mas dessa vez, a tradução de toda a obra de Dostoievski pelo menos, ficou por conta de Paulo Bezerra, que estudou a Literatura Russa em Moscou e se especializou em traduções das obras russas.
A obra em si é uma peça controversa. Muitos pensam que Os Demônios é uma obra panfletária, um protesto do escritor feito em decorrência de um acontecimento que ele ficou sabendo através da imprensa. Um jovem da época, fora assassinado por um dos grupos revolucionários da época, Netchaiev é uma figura cuja importância transcende esse crime: foi autor, juntamente com Mikhail Bakhunin, do Catecismo do Revolucionário, espécie de guia-mestre do terrorismo internacional, inspiração confessa de Carlos, o Chacal e Che Guevara. Mas a questão toda não é o simples assassinato, do grupo niilista de 1869 ter matado esse membro do próprio grupo.
Uma obra que é considerada por alguns uma obra menor, exatamente pelo seu caráter panfletário, mas ao ler, o mesmo tema jornalesco como dizem alguns, toma uma visão muito mais densa do que a simples revolta de um homem perante uma morte banal. O que move as pessoas à tomarem atitudes erradas e que as levam à continuar na trilha do erro indefinidamente? Aqui vemos o claro exemplo da prepotência de um dos integrantes que, à partir de suas convicções toma diversas atitudes, aflorando o demônio interior, indo numa estrada que só vai levá-lo à mais mortes e atitudes erradas, em prol de sustentar sua teoria, que já se demonstra errada.
Traduzido pela primeira vez como Os Possessos no Brasil, agora como Os Demônios, podemos traçar essa linha de pensamento, da pessoa se tornar o Demônio e dominar os demais do grupo, possuindo-os. A perspectiva muda totalmente, vemos que o livro não se trata de todos os personagens serem submissos, e sim um que não vê a maldade nos seus atos e consegue levar alguns pela mesma convicção.
O livro começa de maneira confusa, sinceramente dá até vontade de parar, mas isso é um mero engano, logo depois uma rede de personagens começa a entrar em cena, e compor o cenário da obra que vai, através de algumas histórias paralelas, fundir num final espetacular e ligar os vários estratos da sociedade: aristocracia, burguesia e um pobre professor naturalista.
A volta do filho de Varvara, Nikolai, é o ponto de início de uma trama louca. Até antes, vemos Varvara, uma aristocrata um tanto quanto burra, e o professor universitário Stiepan, que através de uma relação de sustento financeiro se envolve com Varvara. Nikolai é um rapaz um tanto quanto inconseqüente, que voltou do estrangeiro e seduz as mulheres nos salões e possui atitudes estranhas com os homens. Sua primeira ação em uma das festas da sua mãe foi morder a orelha do governador e puxar num outro momento um homem pelo nariz e não se desculpar. Ele mesmo dizia: “Sempre posso desejar fazer o bem e sinto prazer com isso; ao mesmo tempo, desejo o mal e também sinto prazer. Mas tanto um quanto o outro continuam mesquinhos demais.” Essa atitude causa estranhamento em uns mas atrai a atenção de Piotr, filho de Stiepan, personagem principal de toda a tragédia. Após vários encontros,ele e Nikolai integram um grupo revolucionário niilista, com várias reuniões secretas e discussões de temas e atuações. Pior sempre dizia que existia uma rede de grupos que entrariam em ação no momento exato, para que o movimento fosse fulminante. Mas aparenta que essa rede terrorista nunca existiu, mas é algo que Piotr sustenta e um dos pontos de sua personalidade que se mostra. A intransigência.
Um dos teóricos mor do movimento, Chigalióv tem como proposta: 'Como solução final do problema, dividir os homens em duas partes desiguais. Um décimo ganha liberdade de indivíduo e o direito ilimitado sobre os outros nove décimos. Estes devem perder a personalidade e transformar-se numa espécie de manada e, numa submissão ilimitada, atingir uma série de transformações da inocência primitiva'.
A intransigência do grupo, e a nivelação de todos os seres humanos, é uma das propostas radicais do grupo, Piotr propõe que a solução é o assassinato para se chegar ao nível da igualdade. Desce o nível da educação. 'Os talentos superiores (...) serão expulsos e executados. A um Cícero corta-se a língua, a um Copérnico furam-se os olhos, a um Shakespeare mata-se a pedradas'. E também acrescenta: 'O tédio é uma sensação aristocrática; no chigaliovismo não haverá desejos. Desejo e sofrimento para nós, para os escravos, o chigaliovismo'.
No meio da trama, aparecem dois personagens que serão marcantes nas tomadas de decisão do resto do livro. Kirilov e Chátov. Kirilov não acredita em Deus e sim na divindade do homem, pensa que no mundo só há sofrimento e vê no suicídio a forma de se tornar Deus. Desde o momento que ele domina totalmente o seu destino e não deixa nas mãos de um ser que ele não acredita. Chátov por sua vez é religioso, e vê a Rússia como a salvadora de toda a corrupção do ocidente e questiona sempre Kirilov sobre suas convicções. Mesmo ele sempre procurando Deus e não encontrando, ele continua na sua fé.
O livro é uma sucessão de atitudes, tomadas segundo as posturas de cada um dos personagens. Piotr é um ser mecânico, sem autonomia e faz tudo pela causa.
Dostoievski trás com essa obra a questão do terrorismo antes mesmo dele participar da vida cotidiana de sua época. A questão de uma 'lógica' nas atitudes desses grupos e como eles propõe, de maneira radical, suas idéias. É um livro completamente político, mas que não perde as características das suas demais obras clássicas, como O Idiota, Crime e Castigo e Irmãos Karamazov. O sombrio de cada personagem continua ali, e outra característica interessante no livro é a postura de Dostoievski de, alfinetar personalidades de sua época através de alguns personagens de Os Demônios".

2 comentários:

  1. Entao quer dizer que eu posso confiar nesta editora, que infelizmente nem conhecia? Eu quero muito ler a versao original de Don Quijote de la Mancha, mas estava em duvida a respeito dessa ediçao.
    Obrigada

    ResponderExcluir
  2. Olá, Dóra!

    Obrigado pela visita.

    Pode confiar sem medo na editora. Eu tenho a primeira parte do Dom Quixote deles, bilíngüe, e está um capricho.

    Um abraço!

    ResponderExcluir