quinta-feira, maio 10, 2007

PRATÃO, PIPÓCRATES E O PAPA

- Ué, já voltou de São Paulo, Pipócrates?
- É.
- Você está nervoso. O que foi? Não viu o papa?
- Vi. Até conversei com ele.
- Nossa! Então tu tinha que estar sorrindo até pros mendigos na rua.
- Aquele canalha...
- Que canalha?
- O papa, lógico.
- Não estou entendendo. O que ele te fez?
- O maldito primeiro me recebeu com sorrisos. Depois, fechou a cara e me deu as costas. Tentei continuar falando com ele, mas os guarda-costas me empurraram.
- Humm... Tô começando a entender... Que que tu aprontou, Pipócrates?
- Nada demais...
- Fala, porra!
- Bom, eu cheguei no papa, beijei a mão dele, ele pôs a mão na minha cabeça, os troços de praxe, sabe?
- Mas...
- Mas quando eu pedi pra ele abençoar a cópia do Alcorão que eu levava...
- Ah, tenha a santa paciência!
- Ele é que devia ter, pô!
- Rarrarrá! Isso é que dá um camarada pertencer a cinco religiões ao mesmo tempo...
- Calaboca, ateu dos infernos!
- Você é cinco vezes marionete da natureza.
- Ah, não! Aquela história de novo? O que aquela lorota de que não existe livre-arbítrio, de que todo mundo é escravo da natureza e blábláblá tem a ver com religião?
- Tudo a ver. Tudíssimo!
- Da outra vez tu comparou a gente com os animais irracionais. Pois bem: que outro bicho além do homem tem religião?
- Nenhum. Porque somente o ser humano tem consciência de si, do outro e do universo que o cerca. Logo, ele tem consciência da morte. Logo, ele precisava desenvolver, guiado pela sórdida madrasta natureza, subterfúgios para justificar a continuidade da sua vida, enquanto indivíduo, e da humanidade. Logo, o medo da morte é o pai da religião.
- Isso porque você acha...
- Qualquer um que pense sem amarras de qualquer tipo, sem idéias preconcebidas, sem preconceitos embutidos, qualquer um que pense livremente chegaria à mesma conclusão. O ser totalmente racional despreza todo tipo de superstição – religião incluída.
- O ser totalmente racional é um filho da puta!
- Induzido pela lei de perpetuação das espécies imposta pela natureza, o homem inventou deuses e religiões. Quando teve consciência de si e, logo depois, quando soube que iria morrer, ele precisou encontrar refúgio em algo fora da compreensão humana, algo que lhe desse motivação para continuar vivendo. Sabendo que pereceria, qual o sentido de prolongar a existência, de perpetuar a espécie?
- Bullshit!
- Foi assim que Deus nasceu. Foi assim que surgiram os mitos sobre o além-da-morte. Foi assim que surgiram a ética e a moral. Tudo invenção humana, inspirada pela natureza, para que o homem continuasse confortável com a idéia de viver. A mentira é a seguinte: “Viva, reproduza-se, comporte-se bem que você terá uma vida ainda melhor depois que morrer! Sim, a vida não acaba com a morte!”
- Quer dizer que, em sua ignominiosa opinião, também a ética e a moral são parte do plano sinistro da natureza pra forçar o homem a fazer o que ela quer?
- Claro que sim. Comportando-se bem, os homens não se matam totalmente uns aos outros e ficam disponíveis para perpetuar a espécie. Quanto mais gente viva, mais prole a caminho. Eis o grande plano da natureza. O grande lance é sobreviver para reproduzir.
- Balela, pô! Foi cientificamente provado que pacientes que têm fé ou tenham quem reze por eles se recuperam com mais facilidade.
- A fé nada mais é que um exercício inconsciente de auto-hipnose. A pessoa convence a si própria de que existe algo mais e, com isso, obtém bons resultados no aspecto mental, que, como se sabe, influencia o aspecto físico, por meio da química corporal. Em suma, a fé é um tipo de livro de auto-ajuda implantado na mente humana. Se ela for feliz com isso, tudo bem: ótimo, beleza. Aliás, isso é tudo o que a natureza quer.
- Tu é um estraga-prazer do cacete! Quer dizer que tu não acredita em alma eterna, anjos, espíritos, ressurreição, reencarnação, nada?
- Claro que não. Pensar sem nos deixar levar por nossos desejos nos leva a duvidar de tudo. É difícil de aceitar, pois a natureza atua fortemente na direção contrária. Ela quer nos fazer acreditar em algo mais. Mas tem um lado positivo nisso.
- E qual é?
- Sem reencarnação, ressurreição ou sobrevivência da alma, o mundo ficará livre do Aristóteles quando ele morrer.
- Que beleza! Eu não tinha pensado nisso...
- Pois é. Livre para sempre.
- Vai com Deus, Totó!

Filósofos de rua em tempo integral, Pratão e Pipócrates discordam em tudo, mas um sentimento os une: o ódio a Aristóteles Omorris.

2 comentários:

  1. Omorris é amigo do OLavo de Carvalho...além de namorar a stripper bêbada...essa trindade de filósofos jataienses na verdade são inseparáveis...

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  2. É isso aí, Marcos! Esses dois se dizem inimigos do tal "Totó", mas na verdade são todos da mesma laia!...

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