quinta-feira, maio 24, 2007

PRATÃO, PIPÓCRATES E A GRANA



- Velho Pratão, sabia que o serviço secreto português foi extinto?
- Sabia não. Por quê?
- Não só o serviço secreto, mas também todas as agências de inteligência.
- Logo vi! Tu sabe que não gosto de piadas de português!
- Calma, bicho...
- Aliás, não gosto de nenhum tipo de piada étnica, racial, religiosa ou de humor negro.
- Então tu não gosta mesmo é de piada, né não?
- Vai...
- Deixa eu completar a piada: diz que o motivo é a alta taxa de mortalidade dos agentes lusitanos. É impossível repor tanta gente em tão pouco tempo.
- ...
- “Por quê?”, você pergunta. Calma, eu respondo: “É a lei, ó pá! Nós agentes portugueses somos obrigados a nos identificar aos alvos de nossa investigação”.
- Estou morrendo de rir.
- “Muito, prazer, senhor traficante. Meu nome é Manoel Joaquim de Oliveira. Sou o agente da inteligência designado para me infiltrar sorrateiramente em vossa quadrilha com o fito de obter informações que venham a levar o senhor e seus comparsas para a prisão”.
- ...
- “E meu nome falso é Joaquim Manoel de Oliveira. Favoire chamar-me por esse codinome”.
- ...
- Tu é um pé no saco, sabia? Vou ali jogar na Megasena...
- Escravo da natureza!
- O quê? Quêqui tu falou?
- Tudo que tu faz é obedecer cegamente à natureza. Como se não tivesse vontade própria.
- Ah, não! Ah, não! De novo aquela merda? Porra, não posso nem fazer minha fezinha mais? Quêqui tem a ver apostar na loteria com ser escravo da natureza?
- Tudo, meu caro. Tudo.
- Então fala. Já contei minha piada. Agora conta a sua.
- Veja bem: pra que você joga na loteria?
- Pra ganhar muito dinheiro.
- Pra quê?
- Pra dar uma vida melhor pra minha família, pra parar de trabalhar pros outros, comprar uma casa melhor, um carro melhor, viajar...
- Isso é o que você diz a si mesmo para tentar esconder o fato de que está apenas agindo por instinto, ou seja, sob ordens da natureza.
- Ah, vai...
- Calma, camaradinha. Sua vida já é boa: você e sua família vivem bem, seus filhos nunca passaram necessidades, muita gente sonha com seu emprego, sua casa é confortável, seu carro te leva pra onde tu quer e tu pode viajar de vez em quando (aliás, quem agüenta viver viajando?). Então pra que tu quer mais?
- Então todo mundo é obrigado a se conformar com o que tem, com o que é, só pra não ser escravo da natureza? Tenha a santa paciência!
- Eu não disse que todos devem se conformar. Só quero falar dos mecanismos que a natureza paciente e minuciosamente aperfeiçoou ao longo da evolução das espécies para que hoje, nesta ensolarada tarde, meu amigo Pipócrates tivesse o impulso de ir fazer sua fezinha. Não estou dizendo que Vossa Augusta Insolência está agindo de forma equivocada.
- Então que o nobre FDP faça uma instrutiva explanação.
- Obrigado. Então vamos lá: o grande lance da natureza é fazer com as espécies coloquem no topo de suas respectivas listas de prioridades a própria reprodução, sua perpetuação. Para que isso aconteça implantou nos seres uma irresistível compulsão pela cópula. Mais fortes fisicamente na maior parte do reino animal, os machos passaram a reivindicar o controle sobre o maior número de fêmeas possível ou aquelas mais apropriadas para a reprodução. Entre os seres humanos e outros bichos, as fêmeas também podem aceitar ou rejeitar parceiros. E elas, por motivos evolutivos, preferem aqueles que teriam melhores condições de sustentar a parceira (ou parceiras) e sua prole com maior eficiência. Sabendo disso, os homens sempre procuraram se apresentar como os mais fortes, os mais capazes, mais competentes na caça, na pesca. Daí surgiu a luta pelo poder. Quem conseguisse liderar a caverna poderia ter a mulher que desejasse. O mais capaz, o líder, também era o mais desejado pelo sexo oposto.
- E o que isso tem a ver com minha loteria?
- Ora, velho amigo... Como se obtém poder hoje em dia? Pelo dinheiro e pela política. Ou pelos dois ao mesmo tempo. E um leva à outra e vice-versa. Por que tanta ganância, tanta cobiça, tanta ânsia por ter, ter, ter?... Porque esse comportamento foi implantado pela mamãe natureza. Quantas mulheres não se jogam pra cima desses caras? É o velho jogo, camaradinha... É o velho jogo. Inconscientemente ou não, é o que acontece, velho.
- Mas eu sou muito feliz com minha patroa. Não tô a fim de ficar rico pra pegar mulher e...
- Eu sei, cara, eu sei... Mas o implante está aí, fincado no seu DNA, nos cantos mais recônditos do seu sistema límbico. Está em todos nós. Seu comportamento é condicionado por essa diretriz da natureza. Tu é um cachorrinho de Pavlov dela.
- Então quer dizer que a corrupção deslavada tem a ver com a libido?
- Tudo a ver, brother. Muita gente faz de tudo para ter. Ter dinheiro, ter poder. Mesmo que não pretenda espalhar seus genes, mas o condicionamento tá lá. Se as pessoas trabalhassem para controlar seus impulsos, se pelo menos tivessem consciência de que muitas vezes estão agindo como animais irracionais, por instinto, talvez não houvesse tanta bandidagem no mundo.
- Os traficantes, os ladrões, os seqüestradores... Essa gente toda então age pra satisfazer seus instintos mais primitivos?
- Podes crer.
- Sei não. Só sei que vou fazer minha fezinha de qualquer jeito. E se eu ganhar, sabe o que mais eu quero fazer?
- O quê?
- Vou mandar bater no Aristóteles.
- Nisso eu concordo contigo.
- Vou contratar um pessoal barra-pesada.
- E pau no Totó!
- É!

Filósofos de rua em tempo integral, Pratão e Pipócrates discordam em tudo, mas um sentimento os une: o ódio a Aristóteles Omorris.

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