quinta-feira, dezembro 28, 2006

TRECHO DO LIVRO QUE NÃO PUBLIQUEI NEM VOU PUBLICAR

Parte de uma entrevista concedida por Laszlo Canto, protagonista do proscrito O Partido do Indivíduo.


MC: Agora vivemos a sangrenta revolta dos excluídos. Mas limpemo-nos do sangue e caiamos em Rios, seu adversário mais direto, que têm demons­trado, juntamente com o próprio presidente, sua estranheza em relação à performance do PSDN. Dizem que por o governo ter conseguido baixar a inflação, manter uma moeda razoavelmente forte, estabilizar uma taxa de crescimento econômico, as pesquisas deveriam estar sendo mais genero­sas, gratas a eles. Acho até que se não tivesse aparecido o fenômeno Laszlo a eleição do ministro Rios já estaria consolidada. Desde já. O problema é que eles se recusam a reconhecer o fator Laszlo como produ­tor dessa conjuntura. Como você analisa isso e qual sua análise sobre o atual governo?
LC: Não sei se o “fator Laszlo” produziu essa frustração de expectati­vas no PSDN. Talvez estejam no limite, pois o custo da estabilização da economia foi muito alto para as classes média, média-baixa e baixa. Essa maioria não esquece o aperto por que passou. Os pequenos e micro­empresários — os que não faliram e os que efetivamente faliram — não esquecem os juros altos, restrições ao crédito e a reforma tributária, que foi boa só para o governo. A inflação caiu, maravilha. Mas a dívida interna aumentou, embora os especuladores estrangeiros dêem risada até hoje: era só chegar, faturar com juros dez vezes mais altos que a média internacional, sem compromisso de investir em criação de empregos, nem ajudar pessoas carentes, e ir embora. As privatizações foram tímidas, suspeitas e lentas. Uma privatização ou é rápida e suspeita ou lenta e segura. Conseguiram com que fossem lentas e suspeitas. Ficaram num medo terrível de sequer tocar no assunto “venda da Petrobrás, do Banco do Brasil, Vale etc.” E nós é que continuamos pagando a conta desses Frankensteins desajeitados, ótimos na prospecção de prejuízo e no refi­no da técnica de conceder privilégios descabidos aos seus funcionários. Coisas que empregados do setor privado conhecem apenas em sonhos ou nas histórias do sultão de Bagdá. Se nos livrássemos dessas fábricas de prejuízo, podendo, além desse alívio, faturar muito dinheiro, nos so­braria tempo e recursos para nos dedicarmos à educação e à saúde, por exemplo. Mas nosso presidente abandonou suas origens, afinal tinha de retribuir o esforço feito em seu favor por PVL e oligarquia ilimitada nas eleições. Assim, sua preferência foi justamente por aqueles que menos necessitam do governo para sobreviver. Necessitam para se manter acima da maioria. Maioria cujos membros desperdiçam suas vidas engolfa­dos na ignorância, plantados nas filas dos hospitais esperando horas, dias por um médico que ganha pouco e atende mal. Quando atende. O pre­sidente cedeu às pressões de latifundiários, banqueiros, especuladores, enquanto os professores permaneciam humilhados, os desempregados proli­feravam. Quem morre ou degrada-se primeiro? O latifundiário endividado — mas que tem seu patrimônio para socorrê-lo — ou o metalúrgico demi­tido — que vivia só de seu salário? Suas promessas não-cumpridas ser­viram para desmoralizar ainda mais os programas de governo. Daí aquela sua pergunta sobre quem garante que eu vou cumprir o programa do PLI. Mas fomos ingênuos em pensar que o presidente cumpriria suas metas ten­do feito as alianças que fez.

MC: Quem fez sua cabeça? Que autores — qualquer um — influenciaram sua formação? Ou ninguém influenciou?
LC: Digamos que não sofri influência ao ponto de passar a pensar como os autores que li. Mas cada um deles me abriu uma porta. Através de suas idéias era instigado a formular as minhas próprias, seguindo seu pensamento ou discordando parcial ou radicalmente. Nenhum fez mais mi­nha cabeça em particular. Sempre retirei o melhor de cada um.

MC: Alguns possuem mais o que se retirar.
LC: Correto. Tirei muito proveito dos velhos gregos, dos latinos, de Locke, de Mill, de Tocqueville, de Weber. Tirei proveito até de Marx. Aliás, dos esquerdistas herdei a preocupação pelo aspecto social. Tive sorte de ter crescido numa época menos maniqueísta. Pude acolher o me­lhor de dois mundos. Mas foi a história minha maior mestra. Ler história nos ensina como agir. E principalmente como não agir. Se fizesse um levantamento, verificaria que passei a maior parte de minha vida lendo do que fazendo qualquer outra coisa. Incluindo-se na conta o ato de dormir.

MC: Seu agnosticismo, seu pretenso assexualismo, sua condição celibatária, vá lá, também poderiam reverter-se em exemplos para os jovens?
LC: A possibilidade de alguém viver, ainda mais se esse alguém for o presidente, viver sem precisar submeter-se às convenções sociais, às pressões dos “normais”, pode sim servir de exemplo para quem sofra esse tipo de coação. Abomino os estereótipos, os padrões de comportamento. Veja o caso das crianças que dizem ter namorado ou namorada. Crianças de menos de dez anos, que apenas imitam os valores da sociedade. Sem informações sobre amor, sensualidade, apenas repetem, como animaizinhos amestrados. É uma forma de tirania também. A maioria das pessoas acre­dita não ter outra saída que não namorar, casar, trair. Muitas mulheres não vêem alternativa que não submeter-se. Questão de mentalidade. As pessoas falam de deus como se estivessem falando do padeiro da esquina. Como se os dois existissem igualmente. É uma superstição imposta desde a tenra infância: “vamos rezar pro papai do céu”. Posso ser um exemplo sim. Um exemplo de que posso ser ativo, útil — e até presidente — sem me apegar a crendices, bastando por mim mesmo. Você pode ser você mesmo e não o que seus instintos ditam. Pode ter certeza de que faço o que gosto. Não existem pessoas que gostam de jiló? Pois bem, além do jiló, dispenso a prática de muitas outras coisas, mesmo que 99% das pessoas delas não abram mão. Concedi-me o livre-arbítrio.

MC: Uma das qualidades que se admira no príncipe: o dar de si grandes exemplos, afora os grandes empreendimentos. Muitas pessoas, depois de atravessar um trauma violento, costumam mudar sua visão de mundo, mudar sua vida. E o que mudou no Laszlo pré e pós-acidente?
LC: Fiquei bem mais pobre em matéria de amigo. No mais, fora o tempo que passei longe do mundo, e o que desperdicei sem trabalhar, sou a mesma pessoa. Talvez menos tímido, mas devido a uma auto-superação, a uma constatação de que tanto faz conter-se ou não conter-se, reprimir-se ou não reprimir-se, pois o destino é implacável. Com os corajosos, com os audazes, com os covardes, com os fracos, com os fortes. Então façamos o que deve ser feito, não importando as conseqüências que pos­sam recair sobre nós. Virei um inconseqüente responsável, pois que os eventuais ônus provenientes de minhas ações — radicais, estabanadas, agressivas, o que seja — desabem sobre mim.

MC: Notável a naturalidade com que você fala. A mesma entonação para qualquer assunto. Onde está a grandiloqüência dos candidatos? Mesmo quando você falou em dar uma alma ao povo, esta afirmação foi proferida como se você estivesse dizendo “sim, eu gosto de arroz.” Isto denota uma humildade surpreendente. Você sempre foi humilde assim ou é uma “seqüela” do acidente?
LC: Sinceramente não sei responder a essa sua pergunta. Pelo menos para mim sempre fui assim. Não sei se sou humilde. Se disser que sou humil­de, estaria sendo vaidoso de minha suposta humildade. Já não seria, portanto, humilde. Acho que somente as pessoas que me conhecem poderiam responder a essa pergunta.

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