sexta-feira, junho 29, 2007

CONTOZINHO DIALÉTICO

Inevitabilidade

- Com licença, general.
- Ô, tenente, entra! À vontade, tenente, à vontade... Pode falar enquanto termino de fazer a barba.
- Devemos atacar agora, general?
- Atacar?
- Sim, senhor. A tropa está ansiosa e...
- Pra que toda essa ansiedade, não é mesmo, tenente?
- Senhor...
- Estresse mata, sabia?
- Senhor, se não atacarmos agora, seremos cercados e...
- Não se preocupe, tenente.
- Senhor?
- Em quantos eles são?
- Uns dez mil, senhor.
- E nós?
- Não chegamos a quinhentos, senhor.
- Viu? Então pra que a pressa?
- Mas, senhor, nós...
- Você tem pressa de morrer, tenente?
- Não, mas...
- Então esperemos que eles cheguem.
- Então as ordens são pra aguardar, senhor?
- Sim. Agora vou tomar um banho.
- Permissão para falar livremente, senhor.
- Sempre, tenente. Pode falar, filho.
- Estamos todos para morrer, seremos esmagados pelo inimigo. Então, pra que tomar banho numa hora dessas?
- Ora, tenente, porque ainda não morremos. Se não morremos, logicamente ainda estamos vivos. Devemos, portanto, continuar fazendo o que os vivos costumam fazer. Não concorda comigo, tenente?
- Perdão, senhor.
- Fica frio, tenente. Nunca passei um dia da minha vida sem tomar banho. Só porque vou morrer hoje devo deixar de fazê-lo?
- Não, senhor. Claro que não.
- E ainda vou cantar o Rigoletto no chuveiro.

quinta-feira, junho 21, 2007

COMO VENCER O BOCA

Em 1963, o Santos de Pelé, Zito, Gilmar, Coutinho, Pepe e outros craques derrotou o Boca Juniors pela final da Copa Libertadores da América. De lá pra cá, no entanto, nenhum outro time brasileiro conseguiu eliminar ou se tornar campeão em cima do clube mais popular da Argentina no grande torneio do futebol sul-americano.

O futebol argentino é difícil de bater realmente. Mas os times brasileiros várias vezes conseguem passar sem problemas por equipes como River Plate, Estudiantes, Newell's Old Boys, Racing e outros. O problema é quando aparecem pela frente aquelas camisas azuis e amarelas. Parece que um raio paralisante invisível sai dos olhos dos atletas do Boca e faz com que os brasileiros esqueçam como jogar futebol, tornem-se apáticos, medrosos, em suma, com uma personalidade tão forte quanto zumbis de filmes de quinta.

Usando esses seus dons misteriosos, o Boca, em fases eliminatórias da Libertadores, já despachou praticamente todos os grandes clubes do Brasil. E mais o Paysandu. Em finais, já derrotou Cruzeiro, Palmeiras, Santos e agora Grêmio. Na Recopa e na Copa Sul-Americana, eles também já aprontaram: Internacional e São Paulo que o digam.

O estranho é que o mesmo fenômeno não se repete quando o Boca enfrenta equipes de outros países. Em várias ocasiões foi eliminado por times como Peñarol, Nacional, Once Caldas, Olímpia, América de Cali etc. Ele também é constantemente batido por seus rivais argentinos.

Por isso, ao conseguir vaga para a Libertadores, os clubes brasileiros rezam para que o Boca não alcance a classificação para o torneio. E, se conseguir, que outro time da América do Sul (ou do México) elimine o colosso de Buenos Aires. Afinal, se depender dos representantes tupiniquins, o clube do coração de Maradona será campeão todo ano.

Mas para que nossos times não fiquem na espera de que alguém lhes faça o "serviço sujo", aqui vão algumas sugestões para que os futuros representantes do Brasil possam enfim ir à forra e mandar, por conta própria, o Boca de volta pra casa mais cedo:

1] Quando mandantes, os times brasileiros devem de alguma forma obrigar o Boca a usar a camisa do Olímpia, do Paraguai. O time de Assunção usa preto e branco, ou seja, nenhuma das assustadoras cores boquenhas. (Obs.: esta sugestão só não vale para o São Caetano)

2] Contratar hipnotizadores antes dos confrontos decisivos com o Boca. Tais profissionais teriam a tarefa de convencer os atletas brasileiros de que eles não entrariam em campo contra o temido time portenho, mas contra o The Strongest, da Bolívia, que, como se sabe, longe da altitude de La Paz costuma ser o antônimo de seu nome.

3] Enviar hipnotizadores à concentração do Boca com a missão de convencer os adversários de que eles são brasileiros prestes a enfrentar o Boca.

4] Convencer os trios de arbitragem designados para trabalhar em La Bombonera de que eles não vão morrer em caso de não ajudar o time da casa.

5] Não deixar o Riquelme jogar, pô!

segunda-feira, junho 18, 2007

REFLEXÃO FUTEBOLÍSTICO-FILOSÓFICA



Os imbecis no poder

O grau de irritabilidade e deselegância apresentado pelos técnicos de futebol durante as entrevistas coletivas é proporcional ao nível de inteligência e preparo que esses profissionais possuem.

Muitos são babacas por ignorância mesmo; outros assim se fizeram devido àquela velha máxima que reza que o poder corrompe e blablablá.

O imbecil com poder é o pior dos tiranos.

Dunga, Leão, Luxemburgo e seus discípulos e imitadores: vocês são milionários, detêm um poder relativo (e bem efêmero), são celebridades, mas vão deixar para trás uma imagem ligada à arrogância, ao mau-caratismo, à ignorância, à prepotência e à burrice. Ou seja, parece que havia outras coisas a acumular em suas vidas além dos bens materiais e das conquistas várias.

quinta-feira, junho 14, 2007

TRECHO DO PROSCRITO "O PARTIDO DO INDIVÍDUO"


O livro que resolvi relegar às gavetas do esquecimento, O Partido do Indivíduo, foi escrito entre 1994 e 1995, mas muitas das polêmicas da época continuam atuais, prova de que o país tomou mesmo gosto por patinar sem sair do lugar, atolar, empacar... Dá só uma olhada.


— Nunca vi tanta carta num gabinete só, Laszlo — disse Eunice. — E telefonemas e mais telefonemas. Estou ficando louca.
— Acho que já fui longe demais nesse negócio de conter despesas, não? Você precisa de alguém para auxiliá-la.
— O ideal seriam dez. Sei como você é com o tal dinheiro público. Mas uma pessoa já ajudaria.
— Não vou aumentar as despesas do gabinete.
— Hã? Mas então...
— Vou dar parte de meu salário para essa outra pessoa que você vai indicar. Conhece alguém de confiança?
— Que loucura. Deixe-me ver... Ah, sim. Tem uma moça lá...
— Traga-a amanhã, por favor.
O livro realmente fez o movimento no gabinete de Laszlo avolumar-se. A maioria das pessoas ligava ou escrevia para elogiar, apoiar. Alguns faziam reparos, apontavam o que achavam ser disparates, inadequações. O “complô” estava sendo levado adiante. Várias emendas e projetos de lei, adotadas por parlamentares diversos já haviam entrado em tramitação. Evan Piet Stein for­malizou a proposta que instituía o voto facultativo e a que acaba com o quo­ciente eleitoral. Atacado por todos os lados, defendeu as emendas da tribu­na:
— Alguns de vocês dizem que voto é dever e não direito. Quem são vocês para me dizer que tenho a obrigação de comparecer a uma seção eleitoral? Meus pais? Nem meus pais jamais foram tão autoritários. Como diz meu amigo Laszlo, o sujeito quando nasce não assina um contrato no qual estão discri­minados seus deveres. E se eu quiser morrer como nasci, sem dever algum? Quem o estado pensa que é para obrigar-me a qualquer coisa? Eu voto se eu quiser. Aí vem outro dizendo que eu poderia votar em branco ou nulo, que não sou obrigado a escolher ninguém. Também não quero ser obrigado a votar em branco ou nulo. Que medo é esse da livre determinação das pessoas? Que temem vocês, os contras? Alguns brasileiros apegaram-se a um textículo de um ame­ricano (na terra dele o voto é facultativo), no qual ele defende o voto obrigatório, dizendo que é um ato de cidadania. Mas eu tenho o direito de não ser cidadão de coisa alguma, se assim o desejar. E não votar também pode ser um ato de cidadania, uma demonstração de descontentamento contra os candida­tos, as opções colocadas ao eleitor, contra o sistema em si. O tal do ameri­cano termina dizendo que aprender a votar é um gosto adquirido, como apren­der a beber cerveja ou uísque: é preciso experimentar muitas vezes para ver como é bom. Tenho pena do idiota que se fia nas palavras de um bêbado. Um bêbado, quem fala uma coisa dessas. Comparar o voto à bebida... Se é preciso experimentar muitas vezes é porque não é bom. Se começa a achar bom beber, é porque já está viciado. Já está dependente dos efeitos anuladores da consci­ência, alteradores da mente, já não controla sua vontade...
— Desse assunto vossa excelência entende horrores — aparteou um depu­tado mato-grossense.
— Entendo perfeitamente, pois superei meu problema. E vossa excelên­cia? Prosseguindo: outros dizem que o voto facultativo possibilita o fim da democracia, uma vez que corre-se o risco de que toda a sociedade abra mão de votar. Isso poderia nos trazer o fascismo, o autoritarismo, enfim. Ora, se for o desejo das pessoas deixar de votar, deixar que qualquer um tome o po­der para si, azar dessa sociedade. Paciência. Se ela não quer democracia, que seja feita sua vontade. Mas na sociedade que nós queremos a participação popular será total. Vislumbramos um corpo social formado por indivíduos es­clarecidos, que sabem o que querem, que não deixariam que um energúmeno qualquer nos fizesse de marionetes. Não, meus colegas, não caiam nessas con­versas. Começaremos a melhorar a sociedade à medida que passemos mais res­ponsabilidade a ela. Para iniciar esse processo, temos que começar retirando a tutela do estado sobre o indivíduo. Para isso, podemos dar o pontapé ini­cial por intermédio do fim das obrigatoriedades. Fim do voto obrigatório, fim do serviço militar obrigatório, princípio cuja responsabilidade está a cargo do deputado Carvalho.
— Acabou, deputado? — inquiriu o presidente da Câmara.
— Não, vou defender agora minha emenda que prevê o fim do quociente eleitoral. É rápido. Obrigado. Somos contra o voto distrital, seja misto, seja puro. Para que mandar picuinhas de bairro, de município para cá? O Con­gresso é a casa das idéias e da fiscalização dos outros poderes da União. Temos que eleger os melhores. O quociente eleitoral é um instrumento inven­tado pelos grandes partidos a fim de eles próprios perpetuarem-se no poder, alcançando maioria das cadeiras legislativas. São partidos com mais visibi­lidade, maior tempo de exposição na mídia, maior espaço de tempo no horário gratuito em época de eleição. Naturalmente conseguem mais votos. E pela lei atual, o partido que, por exemplo, obtenha trinta mil votos terá cinco depu­tados eleitos, contra nenhum eleito de um partido que chegue à marca de 9.999 votos, no caso de quociente eleitoral de dez mil votos. Já houve casos de o candidato mais votado em determinado estado não ser eleito porque seu partido não alcançou o quociente eleitoral. Uma injustiça. Uma injustiça maior com as pessoas que votaram em peso naquele candidato prejudicado. O meu amigo Cariello apresentou emenda instituindo as candidaturas independen­tes. Para que elas se viabilizem, precisamos implantar o voto majoritário para as eleições legislativas. Virá para esta casa quem tiver mais votos, seja filiado a um partido ou não.
— O nobre colega me permite um aparte? — solicitou elegantemente o deputado cearense Lóide Yussif.
— Claro.
— O fim do quociente eleitoral não ocasionaria a atomização dos parti­dos? E se vierem as candidaturas independentes, o quadro não se agravaria? Dificilmente o presidente teria a maioria para governar com tranqüilidade.
— Pode nos achar ingênuos, deputado, mas previmos tudo. Alcançando sucesso em nossas inúmeras metas, chegaremos ao ponto em que os eleitores não enviarão para cá parlamentares dispostos a negociar seu apoio ou não ao governo em troca de favores clientelistas. O que vemos hoje é que os deputa­dos reúnem-se em gangues, vulgarmente chamadas de partidos, para saquear os cofres públicos, para obter cargos-chaves a seus próprios interesses, ou de seu grupo. O senhor teme que as negociações mesquinhas passem a ser feitas individualmente, dando mais trabalho ao presidente? Pois pode me chamar de ingênuo, mas espero que os deputados independentes votem de acordo ou não com o governo segundo sua própria consciência, segundo seu entendimento do que é bom ou ruim para a sociedade. É visualizando uma política nesse nível que apresento minha emendas e dou meu total apoio às emendas e projetos ori­undos das propostas originais de Laszlo Canto.
— Nossa, parecia o próprio Laszlo falando — avaliou Feiberg Matias, ao cumprimentar Stein. — Vocês adotaram mesmo o pensamento dele, hein? La­vagem cerebral ou o quê?
— Afinidade de idéias. Só que estou à vontade para discordar dele a qualquer momento. E nem por isso romperíamos. E você, Feiberg? Você é jovem. Por que fica preso a esses dogmas todos, a essas múmias vivas, ou quase?
— Ainda acredito numa revolução operário-proletária, numa alternativa a vocês burgueses.
— Que as asas da liberdade abram-se sobre você, meu filho.

sexta-feira, junho 08, 2007

FRASES SEM NEXO. OU NÃO?

• Em literatura tudo já foi inventado. Aliás, pela mesma pessoa: James Joyce.

• Toda sentença absoluta constitui-se em exagero. Inclusive a frase acima. Inclusive esta.

• Nem só de pão vive o homem. Não mesmo. Eu, por exemplo, não passo sem manteiga.

• Segundo a velha máxima (de La Rochefoucald), a hipocrisia é a homenagem do vício à virtude. E o que dizer de outros, digamos, deslizes demasiadamente humanos? A inveja, por exemplo, pode ser meramente o resultado de um mal-entendido.

quinta-feira, junho 07, 2007

A VOLTA DOS CONTOS DIALÉTICOS (NÃO QUE ALGUÉM ESTIVESSE COM SAUDADE DELES...)



Irredutibilidade

- Posso entrar, chefe?
- Claro. O que aconteceu?
- É... Temos... hã... um probleminha...
- Deve ser um problemão, já que é raro você todos entrarem juntos na minha sala.
- Lembra que hoje cedo nós demos aquela notícia que o senhor nos passou?
- Da morte do Helvécio Marlos?
- Isso.
- Qual é o problema? Falaram mais alguma coisa? Não foi acidente? Há alguma possibilidade de assassinato?
- Não é bem isso...
- Falem, então, criaturas!
- Ele ligou agora há pouco.
- Ele quem? O assassino?
- Não houve crime nenhum.
- Então quem ligou?
- O Helvécio.
- Rar-rar-rá. Olha como estou rindo. Que piada “engraçada”, pessoal. Agora, por favor, saiam que eu tenho muito trabalho a fazer. E você, João, não devia estar no ar neste momento?
- Eu coloquei umas músicas pra rodar. O Helvécio quer desmentir a notícia no ar. A gente veio perguntar como a gente deve fazer o desmentido. Ele quer que o senhor peça desculpas publicamente.
- Peraí, peraí! Então é sério mesmo? Aquele cantorzinho de merda não morreu?
- Não. A gente checou tudo e...
- Mas eu recebi a informação de alguém de dentro da casa dele, minha fonte mais segura... Porra! Me pregaram uma peça!...
- E agora, o que a gente faz, chefe?
- ...
- Chefe... Chefe!
- Ainda não acredito que me enganaram, aqueles filhos da... É o seguinte: não vamos desmentir porra nenhuma!
- Como é, chefe?
- É isso aí. Pra nós aquele bosta morreu, entendido?
- Mas, chefe, todo mundo vai rir de nós. Como é que vai ficar nossa...
- Foda-se o que vão falar de nós! E não quero que o nome daquela bicha seja mais citado por aqui! Nem que a música dele seja tocada! Vocês me entenderam?
- Mas das dez músicas mais pedidas pelos ouvintes seis são dele...
- Não interessa! Esse cara morreu pra nós!
- E se ele não tiver nada a ver com essa brincadeira?
- Não quero nem saber se teve ou não! Pra minha rádio ele não existe mais!
- O senhor está de cabeça quente. Ninguém gosta de ser feito de bobo e...
- Pois é! É isso! Ninguém me faz de palhaço! Assim esse povo aprende...
- E o que eu falo no ar?
- Nada. A gente segue nossa vida normalmente. Só que de agora em diante Helvécio Marlos não faz mais parte do nosso universo.
- Desculpe-me, o senhor é o patrão, mas isso não existe.
- Como não existe? Quem disse a famosa frase “Propriedade é roubo”?
- ...
- Todo mundo acha que foi Marx, não é?
- ...
- Você sabe quem foi, né, Pipeta? Não respondeu, mas eu sei que pelo menos você sabe.
- Sim, sei.
- Você sabe também que a maioria dos “letrados” acha que a frase é de Marx, não é?
- É...
- Mas foi Proudhon quem a proferiu. Hoje quem sabe quem foi Proudhon? Mas todo mundo conhece Marx e até acha que foi ele que, além de ter dito essa frase, também inventou o comunismo e o socialismo.
- E o que isso tem a ver com a “morte” do Helvécio?
- Tudo, João, tudo! Isso significa que a verdade dos fatos não interessa! No fim sobra a versão dos vencedores e dos poderosos. E nesta rádio eu sou Stálin!
- Tá bom, chefe. O Helvécio tá morto e enterrado.
- E se ele processar a emissora?
- E eu sou homem de ter medo de processo? Vou pra cadeia pro resto da vida, mas não ressuscito aquele projeto de artista!
- E quando os ouvintes pedirem músicas dele?
- Digam que ele só será tocado daqui a um ano, no primeiro aniversário de morte. E haverá homenagens a cada aniversário do falecimento do “grande artista”.
- Tá bom, chefe.
- “A ignorância jamais ajudou ninguém”.
- O que você disse, Pipeta?
- Nada. Quem disse foi Marx. E essa frase é dele mesmo.