quinta-feira, novembro 01, 2007

MAU-CARATISMO TRICOLOR

Em 1987 os treze maiores clubes do Brasil resolveram fazer um Campeonato Brasileiro paralelo ao da CBF. A primeira divisão, com a concordância da própria CBF, seria chamada de Módulo Verde, e contaria com os integrantes do então recém-fundado Clube dos 13 (Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos, Internacional, Grêmio, Cruzeiro, Atlético Mineiro e Bahia) e mais Goiás, Santa Cruz e Coritiba. O torneio foi batizado de Copa União e seu campeão também seria considerado o campeão brasileiro daquele ano. O presidente do Clube dos 13 era o então presidente do São Paulo, Carlos Miguel Aidar.

A CBF ficou com a organização dos módulos Amarelo, Azul e Branco (segunda, terceira e quarta divisões). Como os clubes de segundo escalão chiaram, a CBF propôs o cruzamento dos dois primeiros colocados do Módulo Verde com os dois primeiros do Amarelo para que só então fossem definidos o campeão e o vice do Brasil em 1987 - que também seriam os representantes do país na Copa Libertadores de 1988.

Claro que o Clube dos 13 não concordou com a manobra, feita na semana de estréia do Campeonato Brasileiro. Por unanimidade, TODOS os 16 participantes da Copa União decidiram que quem chegasse à grande final não cruzaria com os dois melhores do Módulo Amarelo. Como combinado inicialmente com a CBF, campeão e vice do país sairiam do Módulo Verde.

Nem em Portugal já se viu algo assim: o campeão nacional sair do cruzamento dos melhores da primeira com os melhores da segunda divisão! Em tese, o melhor da segunda é pior que o pior da primeira.

Pois bem: Flamengo e Internacional foram os finalistas da Copa União. Na primeira partida da final, em Porto Alegre, empate. Na segunda, Flamengo 1 a 0, gol de Bebeto. Flamengo, campeão brasileiro pela quarta vez, como o Brasil inteiro proclamou, como o Clube dos 13 havia chancelado no acordo original com a CBF, aprovado por todos os clubes, inclusive pelo São Paulo. Se fosse o tricolor paulista (ou qualquer outro integrante da Copa União) um dos finalistas, ele também não cruzaria com Sport e Guarani, os dois melhores do Módulo Amarelo (segunda divisão).

Mas a CBF disse que o que valia era a mudança que ela havia feito no regulamento, à revelia dos maiores clubes do país. Então Sport e Guarani foram a campo para esperar por Flamengo e Inter. Como estes não compareceram, os jogos entre os representantes da Segundona tornaram-se a "verdadeira" decisão do Campeonato Brasileiro de 1987. Deu Sport, que, no ano seguinte, ao lado do Guarani, protagonizou a mais vexatória participação brasileira na Libertadores.

Em 1992 o Flamengo voltou a ganhar o Brasileirão, agora de forma "oficial". Como foi seu quinto título da principal competição nacional, o rubro-negro reivindicou a posse definitiva da taça que desde 1975 era entregue aos campeões brasileiros. Pelo regulamento do torneio, ficaria de vez com o troféu o clube que conquistasse a divisão principal três vezes seguidas ou cinco vezes alternadas.

Só que a CBF, mesmo já com outra administração, recusou-se a enviar para sempre a taça à Gávea e resolveu guardá-la em um cofre da Caixa Econômica Federal. Desde então, o clube mais popular do país ostenta em sua imensa galeria de troféus, uma réplica daquela taça.

Eis que o tempo passou e na noite do dia 31 de outubro de 2007 o São Paulo conquistou seu quinto título do Campeonato Brasileiro da primeira divisão. Como todos foram títulos considerados "oficiais", a CBF avisou que vai tirar aquela velha taça do cofre e entregá-la de modo definitivo ao tricolor do Morumbi.

Até aí, tudo bem. Como até hoje a CBF não dá o braço a torcer, por não admitir seu erro (ou sua safadeza de 20 anos atrás), o lógico para ela é passar o troféu para as mãos tricolores. O problema é o São Paulo ficar com a taça e não a repassar a quem realmente tem o direito de ficar com ela.

Pior que a CBF é o São Paulo, que, ficando com a taça, está jogando no lixo o corajoso acordo entre os grandes clubes, que resolveram não aceitar as imposições estúpidas da entidade máxima do nosso futebol.

Para o Clube dos 13, o Flamengo é pentacampeão brasileiro. Como membro desse clube, o São Paulo deveria receber a taça e, em uma solenidade bancada pela entidade, fazer o repasse do troféu ao time carioca.

Mas o tricolor paulista resolveu agir como um oportunista, um descuidista, um trombadinha, em suma, um mau-caráter, para quem a ética, a grandeza e a magnamidade não passam de empecilhos à sua glória pessoal.

A partir de agora os dirigentes são-paulinos não podem nunca mais reclamar da corrupção nos mais diversos escalões da sociedade brasileira. Afinal, agora eles estão inseridos nesse contexto. Agora eles são uma porção de matéria escura a mais no espesso mar de lama e outras impurezas que envergonha os brasileiros de bem.

6 comentários:

  1. Anônimo9:48 PM

    Bom dia Francisco, gostaria apenas de ressaltar a paixão envolvida nesta questão. Sou são-paulino e pelo teor de suas palavras pressuponho que seja flamenguista. Considero o Flamengo penta, assim como considero o Sport campeão brasileiro por achar que este apenas cumpriu o regulamento do campeonato que lhe foi proposto, porém não me alongarei neste assunto.
    Como jornalista acredito que mesmo você veja claramente a parcialidade com que escreves, não os fatos históricos, mas os adjetivos atribuídos ao tricolor paulista. A taça é de posse da CBF e em seu próprio texto fica claro que a entrega desta ao São Paulo seja coerente de acordo com os registros e decisões da confederação. Portanto no texto o juízo de caráter se restringe ao São Paulo, pois agora vamos o estender aos outros clubes. De acordo com suas palavras, os clubes não deveriam aceitar troféus que estes não merecessem. Então acredito que você sustente a entrega do título estadual deste ano ao Botafogo, pois este só foi possível devido a um erro do arbitro, reconhecido por este e por ambas as equipes (http://esportes.terra.com.br/futebol/estaduais2007/interna/0,,OI1598168-EI8025,00.html), acredito que também defenda a entrega do troféu de campeão brasileiro de 2000 para o São Caetano, pois o acidente ocorrido em São Januário acarretou em um completo desrespeito a regra vigente, a entrega do título de 2005 ao Internacional e outros inúmeros títulos conquistados com "falta de caráter" dos ditos campeões e isto por iniciativa dos próprios, ou cada um receberá o rotulo de "oportunista, um descuidista, um trombadinha, em suma, um mau-caráter, para quem a ética, a grandeza e a MAGNANIMIDADE não passam de empecilhos à sua glória pessoal".
    Não sabia da réplica criada pelo Flamengo por isso defendia até então que o São Paulo pagasse uma réplica e a doasse ao Flamengo, porém como está já existe acho que não se faz mais necessário.
    A taça em questão é um ornamento que a CBF entregaria a quem considerasse o primeiro ganhador da divisão principal três vezes seguidas ou cinco vezes alternadas, neste caso o São Paulo. Considero o Flamengo pentacampeão do campeonato brasileiro, assim como considero o Santos heptacampeão brasileiro e o Palmeiras hexacampeão e tenho certeza que compartilha desta opinião, pois as classificações são extremamente justas e o fato de nenhum destes clubes terem recebido a taça oferecida pela CEF é que esta segue os critérios estipulados pela CBF e que de acordo com esses critérios o São Paulo é o justo possuidor da mesma.

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  2. Obrigado por seu comentário, Leandro.

    Sim, eu sou Flamengo, como já revelei neste blog algumas vezes. Sim, também usei alguns adjetivos fortes contra a diretoria do São Paulo devido à deslealdade com que ela está agindo nesta polêmica do pentacampeonato e da posse definitiva da velha taça das bolinhas. Contra o clube, os jogadores e os torcedores, nenhum reparo. O São Paulo é exemplo de organização para a maioria dos clubes brasileiros e todos os seus títulos foram justíssimos.

    Sobre a parcialidade dos meus comentários no blog, esta é proposital mesmo, já que se trata de um veículo usado para expressar pensamentos. Evidentemente que, ao confeccionar reportagens, nos lugares em que trabalhei e no jornal em que ainda trabalho, eu procuro ser o mais imparcial possível, embora saiba que a imparcialidade absoluta não existe: muitas vezes nosso inconsciente acaba nos traindo.

    Os motivos pelos quais o São Paulo deveria repassar a verdadeira taça ao Flamengo nada têm a ver com os exemplos que você citou. O erro do juiz no Carioca foi um acidente, desses que ocorrem em todas as partidas. Quanto ao desrespeito às regras em 2000, concordo contigo (não porque eu não gosto do Vasco, diga-se de passagem), bem como também acho que o título do Corinthians em 2005 tenha de ser cassado, pois o caso lembra o problema que causou o rebaixamento da Juventus na Itália.

    O que a diretoria do São Paulo está fazendo é um tremendo desserviço à civilidade e à ética. Além de se proclamar como único pentacampeão brasileiro, renegando sua própria história dentro do Clube dos 13, o tricolor (ou melhor, sua cartolagem) está traindo não só o Flamengo, mas também todos aqueles que, como ele, peitaram a CBF e garantiram que não cruzariam com os dois melhores do Módulo Amarelo.

    Também acho que devem ser considerados os títulos nacionais conquistados antes da realização do primeiro Campeonato Brasileiro que levou este nome, em 1971. Afinal, o problema não é ter menos título do que este ou aquele clube. O que dói é ver um ato covarde e oportunista sendo perpetrado. O que dói é ver os antes tão decantados e festejados dirigentes são-paulinos agindo como se fossem reles euricos. mirandas da vida. Logo eles, que se diziam e às vezes até se portavam de modo diferenciado.

    Ah, só faltou eu esqueci de dizer em meu post que, apesar da existência daqueles que negam nosso título de 1987, o que não é seu caso, felizmente, o que importa é que eu comemorei as cinco conquistas. O que importa é que sou pentacampeão de coração. Isso não tem Eurico que tire de mim.

    Agora é trabalhar para chegar logo ao hexa pra gente não ficar atrás do São Paulo. Temos que deter esse time, de qualquer maneira! rs

    Tô só brincando, Leandro! Valeu!

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  3. Anônimo6:28 AM

    Olá,
    passando pelo blog do Juca Kfouri li seus comentários, chegando aqui, li os comentários do Leandro. Não considero fortes os adjetivos que usou para qualificar os dirigentes do São Paulo - por minha vez escrevi um artigo, que nem sei se publico, dizendo que o Flamengo nesse caso, foi vítima de estelionato, no mínimo estelionato moral. Considero que os adjetivos foram precisos, o caso foi de deslealdade, descumprimento de acordo, auferição de vantagem indevida, documentos firmados que valem somente para parte de suas finalidades...tipo um cheque sem fundos.
    Só o fato dos demais integrantes do Clube dos 13 não se posicionarem firmemente em defesa do título do Flamengo já é uma vergonha. Mas se lembrarmos que era o próprio São Paulo quem liderava o clube dos 13 em 2007 e que capitaneou o movimento, inclusive sob sua liderança foi firmado o documento se comprometendo a não fazer o jogo de cruzamento dos campeões com a segunda divisão...
    Parece que a vanguarda ficou lá atrás...hoje o que lhe importa é por essa taça - indevida - no Morumbi.

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  4. Olá, Gláucia!

    Obrigado por seu comentário.

    Realmente lamentável a atitude são-paulina. Que a CBF não reconheça o título rubro-negro de 1987, tudo bem, pois daquela casa a gente se acostumou a esperar de tudo. Mas o São Paulo...

    Gostei quando você falou em estelionato moral, além de outros termos para explicar os atos tricolores. Eu ficaria honrado em publicar seu artigo aqui no meu modesto blog. Se estiver interessada, é só mandar o texto pra franciscocabral@gmail.com.

    Um abraço!

    Francisco

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  5. Anônimo6:42 PM

    Bom dia Francisco e Glaucia,
    Entendo o ponto de vista de vocês, porém não acredito que a taça seja o ponto alto da questão. Fico profundamente triste em ler uma matéria onde um antigo dirigente do São Paulo e presidente do C13 no ano de 1987 afirma que o Flamengo não foi o campeão brasileiro no ano em questão.
    Acredito que o São Paulo perdeu uma grande oportunidade de mostrar sua grandeza e se diferenciar da estereotipada moral brasileira que tanto nos entristece, digo de passagem.
    Acrescento apenas que o erro da diretoria do São Paulo está em não proclamar o Flamengo como Pentacampeão, entretanto não acredito que o erro esteja na não confiança da taça ao Flamengo, esta se fosse realizada causaria certa reação na torcida são-paulina não necessária ao momento e questão (pessoalmente ficaria extremamente honrado em torcer por meu clube caso ocorresse, porém todos sabemos como são torcedores).
    Caso fosse membro da diretoria sugeriria uma solenidade, onde São Paulo e Flamengo se encontrariam e cada um ficaria com uma taça, verdade e falsa, porém sem a publicação do portador da verídica. Nesta solenidade também poderiam ser homenageados Palmeiras e Santos, ambos heptacampeões (corrigindo erro em meu primeiro post), para que assim paremos com discussões de quantidades de títulos. Outra solução mais simples seria a produção de outra taça pela CBF a ser entregue ao Flamengo.
    O mais importante não é a sala de troféus de um clube, mais sim a paixão de seus torcedores e as alegrias a eles proporcionadas e isto nenhuma entidade ou confederação pode tirar. Só reitero que o São Paulo não possui a obrigação de repassar a taça, porém a possui em assumir o Flamengo como Pentacampeão brasileiro. A taça é destinada àquele que ganhasse 5 vezes alternadas ou 3 consecutivas o “campeonato brasileiro” organizado pela CBF, ganhar o campeonato brasileiro e ser o campeão brasileiro são coisas distintas, por esse motivo nem Santos, nem Palmeiras a possuem.
    Ratificando minha opinião, acredito que o São Paulo perde muito mais mantendo a taça e questionando o título flamenguista de 87 ao invés de tomar qualquer outra atitude aqui proposta ou de uma moral mais refinada.
    Gostaria apenas da distinção realizada pelo Francisco entre a diretoria e o clube São Paulo.
    Abraços.

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  6. Valeu, Leandro!

    Parece que a cada dia que passa nossas opiniões ficam mais parecidas - ou não-conflitantes.

    Achei elegante sua solução para o problema das taças. Talvez fosse mesmo o melhor a ser feito, embora o que acontecerá é que a taça das bolinhas original vai mesmo para o Morumbi, pois legalmente só o São Paulo tem direito a ela, como você também apontou.

    Para não gastar energia à toa, o que não devemos fazer é nos iludir pensando que um dia o padrão dos nossos dirigentes será agir dentro da ética. Ah, isso não vai acontecer, salvo honrosas exceções.

    No fim o que importa é a emoção que, apesar de tudo, o futebol provoca em nós. Emoções como aquelas que os inúmeros títulos conquistados por nossos times provocaram.

    Aquele abraço!

    Francisco

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