segunda-feira, janeiro 08, 2007

OUTRO CONTO DAQUELES

Sensibilidade

- Você concorda que deve ser considerado como algo normal tudo que o ser humano é capaz de fazer?
- É... Quer dizer...
- Assim, todo comportamento humano é normal.
- Me desculpe, doutor, mas certas coisas não dá pra aceitar.
- Quer você as aceite ou não, elas são normais. O que é aceitável para uns pode não ser para outros.
- Para o senhor, que vem de um país de primeiro mundo.
- O ser humano é o mesmo em qualquer lugar, não importa sua nacionalidade.
- Vocês são mais permissivos, mais, mais...
- Mais liberais?
- Não. Mais desumanos.
- Mas mesmo a liberalidade excessiva é algo normal, pois advinda do ser humano. As sociedades podem ser mais ou menos liberais, o que é perfeitamente normal. Mas o homem tem as mesmas virtudes e fraquezas vivendo em qualquer uma dessas diversas formas de sociedade.
- O senhor vai me dizer que eu devo aceitar tudo, até mesmo a vida de viciado do meu irmão?
- Seu irmão deve ser entendido e tratado, se for do desejo dele.
- E eu devo aceitar que ele é um viciado?
- O que você pode fazer a não ser aceitar, resignar-se?
- Não! Tem coisas que não aceito. Como aceitar esse nosso mundo injusto, onde uns roubam milhões do povo e continuam livres, enquanto uma mãe de família apodrece na cadeia por roubar um pacote de bolachas pros filhos?
- Aceitar não é deixar de se indignar. Mas muitas vezes precisamos relaxar e admitir nossa impotência.
- Sei. O bom é aceitar tudo. Assim se sofre menos, né?
- Não é bem assim. Ninguém sofre mais do que pode suportar nem sente tanto alívio quanto almeja. Tudo que está dentro e ao redor do homem é feito sob sua medida.
- Não sei se entendi, doutor.
- Talvez eu ainda não domine tão bem seu idioma...
- É, talvez...
- Quero dizer - mais ou menos - que o sofrimento está bem (entre aspas) distribuído para todos. Veja bem: quem aceita também pode sofrer muito. Quem aceita não conta com a compensação resultante do ato de se revoltar contra o que é considerado inaceitável.
- O senhor quer dizer que sofre mais que eu?
- Não, em absoluto.
- Eu odeio seu sotaque.
- Sabe que eu já me acostumei com ele?

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