
Antes que me acusem de estar fazendo mais um exercício de jornalismo futurista, daqueles que aparecem em obras de ficção científica ambientadas no porvir, esclareço que o parágrafo acima não se refere aos hábitos contemporâneos dos Estados Unidos enquanto entidade promotora de ações público-privadas em grande parte desprovidas de simpatia pelo mundo afora. O relato é parte do que se pode depreender do livro "No tempo das especiarias", de Fábio Pestana Ramos, que conta a saga do portugueses no breve (historicamente falando) período em que nossos "descobridores" dominaram a rota marítima das Índias e conquistaram o título de Império da Pimenta.
Sem tato e sem qualquer diplomacia, Portugal começou a fazer seu caminho alternativo rumo à fonte das valiosíssimas especiarias pela costa da África. Para vender o produto diretamente na Europa, sem o incômodo dos mercadores italianos e árabes, que faziam a rota por terra, os conterrâneos de Camões impunham-se pela força a quem estivesse pela frente. Com a desculpa de que precisavam combater os infiéis (muçulmanos) e/ou trazê-los para a "verdadeira fé", obtinham facilmente bulas papais, espécie de autorização do Vaticano para a prática de atrocidades, carta branca para expor partes do corpo que normalmente não veem a luz do dia, desde que os proprietários desses órgãos não fossem bons cristãos.
Já Bush júnior recorria a fajutos relatórios sobre a existência de armas de destruição em massa escondidas em território iraquiano... Mas voltemos aos séculos XV e XVI.
Com incontornável e truculenta mania de impor suas religião e cultura aos povos litorâneos da África e da Ásia, os portugueses foram colecionando inimizades e antipatia. A fama já os precedia quando finalmente chegaram ao subcontinente indiano. Assim, não era de se estranhar que os nativos rebelassem-se a todo momento, chegando a fazer associações com os "bonzinhos" ingleses e holandeses contra nossos patrícios. Com mais, digamos, jogo de cintura, as outras duas potências marítimas ficaram com o espólio do breve império luso nas Índias até meados do século XX.
Além da marra, pesou contra a hegemonia portuguesa o fato de que em 1580 a Espanha abocanhou toda a península ibérica, graças à impetuosidade irresponsável do rei Dom Sebastião, que gostava de tomar a linha de frente das batalhas de peito aberto, pleno de patológica coragem. Os mouros o mataram na famosa contenda de Alcácer-Quibir, ele não tinha herdeiros, o reino ficou na dúvida sobre quem tinha direito ao trono, as elites estavam simpáticas aos vizinhos, abriram-lhes uma brecha, eles vieram e pronto: Inês era morta (opa, este é outro episódio - o da Inês - da lusa história).
Bom... e que lição tirar de tudo isso? Nenhuma. Só constatar que mudam os tempos, os nomes, as nacionalidades, mas o ser humano é o mesmo, a mentalidade não evolui em um aspecto: a ganância. Quem detém o poder exerce-o sem pudor. A potência de plantão vai sempre explorar ao máximo os outros povos. Sempre foi assim antes de Portugal. É assim com os Estados Unidos hoje - e crescentemente com a China.
Portugal só entrou no baile por causa do livro do Fábio Pestana Ramos, cheio de méritos e digno de elogios pela extensa pesquisa em arquivos lusitanos e também brasileiros - já que ele fala da "carreira" do Brasil, sucessora da rota da Índia.
O único problema em relação à obra é que, especialmente por ter resultado de uma tese de mestrado, apresenta muitos deslizes gramático-ortográficos. Outro reparo para as próximas edições é prestar atenção aos nomes de pessoas e lugares. Por exemplo, somente na página 182, o rei Felipe II, primeiro soberano durante o domínio espanhol, foi chamado de Henrique, Fernando... e até de Felipe.
NO TEMPO DAS ESPECIARIAS
AUTOR: FÁBIO PESTANA RAMOS
EDITORA: CONTEXTO
288 PÁGINAS
ISBN: 978-85-7244-334-0
Cabral, poderia me enviar uma resenha do livro para estudo ?
ResponderExcluirCabral, poderia me enviar uma resenha do livro para estudo ?
ResponderExcluirOlá, Yzabella! Obrigado pela visita a este humilde blog.
ExcluirEu encontrei um texto escrito pelo próprio autor do livro. Muito interessante. Eis o link: http://pralmeida.tripod.com/academia/05materiais/15FabPEstanaTempoEspeciar.pdf