quinta-feira, fevereiro 03, 2011

DICA DE LIVRO: LENIN: A BIOGRAFIA DEFINITIVA

A amoralidade na política ou no exercício do poder é algo tão antigo quanto o surgimento do primeiro líder da história humana, provavelmente em volta de uma fogueira, talvez depois de uma altercação física, no interior de uma caverna africana. A sistematização da velha máxima segundo a qual os fins justificam os meios se deu com Maquiavel, no século XV. Era o fim da hipocrisia. Seu “O Príncipe” tornou-se uma espécie de manual de operações do bom (e mau) governante nos séculos seguintes.

Outras correntes de pensamento surgiram, teorias políticas entraram e saíram de cena, filósofos mais ou menos sérios desovaram suas teses e utopias, emergiu a raça dos sociólogos... Mas no final tudo, absolutamente tudo – em se tratando de prática e manutenção do poder – acabou se tornando uma mera variação sobre a base lançada pelo autor florentino.

Por exemplo: quando você ouvir governantes (atuais ou de outrora) implorando para que esqueçamos o que eles escreveram, isto é Maquiavel. Quando você ler que determinado poderoso de plantão está agindo de forma eticamente contrária àquela que pregava quando na oposição, isto é Maquiavel. Quando você notar que aquele partido que você admirava nos tempos de combate à situação passou a agir como seus antigos alvos, isto é Maquiavel.

Ora, Lenin pegou o que Marx escreveu e adaptou às suas necessidades revolucionárias (nascia o marxismo-leninismo) e, depois de chegar ao poder, distorceu suas próprias teses em nome da governabilidade. Isso tudo se parece com fatos ocorridos no Brasil das últimas décadas? Pois é: isto também é Maquiavel.

A biografia de Lenin escrita por Robert Service vale-se de documentos que só vieram à luz com o fim da União Soviética. Ou seja, vai muito além das hagiografias autorizadas pelo regime de Stalin e seus sucessores. Dos porões dos arquivos soviéticos surge um Lenin mais maquiavélico que Maquiavel. Um animal totalmente político, que não via problemas em sacrificar pessoas e ideias (até as suas próprias) em nome de um projeto de poder.

Depois da revolução de 1917, alguns bilhetes endereçados a aliados, de tão chocantemente violentos, foram mantidos estritamente confidenciais por mais de sete décadas. Neles, o homem que rolava no chão ao brincar com sobrinhos e filhos de amigos “sugeria” friamente e execução de centenas de pessoas. São várias as provas de ações verdadeiramente desprezíveis. Até Stalin corou.

Mas a revolução deveria prosperar custasse o que custasse. E o terror era uma política de Estado. Uma sugestão maquiavélica elevada à enésima potência. Service informa que Lenin leu Maquiavel. Tendo ou não levado ao pé da letra as recomendações do velho puxa-saco do príncipe de Florença, o fato é que o fundador da ditadura do proletariado (só no nome, diga-se en passant...) anabolizou as ideias do florentino e acrescentou seu próprio tempero. Assim como fez com Marx. E ajudou a incorporar de vez ao inconsciente coletivo a realpolitik.

Desse modo, praticamente todo político, ao chegar ao poder, de forma consciente ou não, deixa de ser aquele que aparecia no horário eleitoral (no caso brasileiro, evidentemente). Quando você perceber tal metamorfose, não se espante mais. Isto é leninismo. Mas também é Maquiavel.



Lenin: a biografia definitiva
Título original: Lenin: a biography
Autor: Robert Service
Tradutor: Eduardo Francisco Alves
Editora: Difel
Formato: 16 x 23  
630 páginas

12 comentários:

  1. Belo arranjo linguístico Sr. Francisco. E salve a falta de incompreensão de nosso povo e sua eterna pacatez alienada.

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  2. Obrigado, Mr. Leandro. A vocação para gado do nosso povo (ou do ser humano em geral?) é que favorece a ascensão de monstros de dimensões apocalípticas como Lenin, Stalin e Hitler. E também dos larápios de pés mais rapados...

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  3. Álvaro Torres9:01 AM

    Que confusão... Falta um mínimo de compreensão sobre Marx, marxismo, leninismo. "...documentos que só vieram à luz com o fim da União Soviética." Qual luz? Como diz o sábio baiano: Vixe!

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  4. Olá, Álvaro! Obrigado por seu comentário. Desculpe não ter me aprofundado sobre Marx, marxismo, leninismo, Maquiavel e outros temas. É que se tratava de um artigo. E pra internet. Qualquer coisa acima de quatro linhas na internet o pessoal já tá pulando fora... A vantagem é que, com os mecanismos de busca, o indivíduo tem oportunidade de saber mais sobre este ou aquele assunto, este ou aquele personagem. Até é bom que ele não receba tudo mastigadinho. Obriga o cabra a estudar um pouco. rs
    A intenção do texto era, além dar a dica de livro, demonstrar como a amoralidade do poder é algo tão entranhado na cultura humana, não importa a ideologia envolvida. "Realpolitik", o poder pelo poder, os fins justificando até os mais podres meios... Acho que foi isso que levou à criação de pretextos, eufemisticamente chamados de dogmas ideológicos, plataformas políticas, estatutos de partidos etc.
    Sobre "os documentos que só vieram à luz com o fim da União Soviética", trata-se de uma velha metáfora. Os documentos ficaram nos escuros porões do Kremlin por sete décadas. Saíram das trevas quando o "velho barreiro" Yeltsin jogou a pá de cal no regime soviético e liberou as informações que haviam ficado tanto tempo vetadas aos olhos de historiadores isentos. Se é que existe isenção...
    Um abraço!

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  5. Muito boa resenha, no tamanho certo. Na internet as pessoas não gostam de textos longos mesmo (não sou contra eles, porém); e há o livro para se ler. Enfim, no passado ou no presente, na então URSS ou aqui, há sempre um pensamento maquiavélico a ligar tudo. O príncipe continua mais vivo que nunca e pelo jeito jamais irá virar um sapo florentino.

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  6. Obrigado, Jair. Pois é, eu não quis me alongar sobre o livro em particular, pois ele "fala" por si próprio. Acabei discorrendo sobre uma das reflexões a que a leitura me levou.
    Um abraço!

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  7. Anônimo9:36 PM

    tudo pra nada

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  8. Francisco, eu adorei e, por mais que seja triste, temos que admitir que é por aí que as coisas caminham e parece que sempre caminharão...

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  9. Francisco: estamos aguardando novas postagens suas, falando da Rússia ou de outros assuntos. Faltando tempo por ai?

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  10. Dias curtos demais: este o grande problema é, Jair. Mas que me adaptarei, adaptar-me-ei.
    Obrigado pela mensagem.

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  11. Respostas
    1. Obrigado, Jorge! Eu andava carente de elogios...

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