terça-feira, fevereiro 24, 2009

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE JORNALISMO

Ninguém reclamou (e provavelmente jamais alguém reclamará). Então, antes que surja tal improvável reclamação, vou escrever alguma coisa sobre jornalismo, o troço em que me formei, minha profissão, enfim. Coisa chata, de gueto, mas é só uma vez - a não ser que realmente reclamem...




Execração da objetividade conta com aliados improváveis
ou
Nelson Rodrigues e Norman Mailer versus a falta de imaginação

Eles nunca se encontraram, que se saiba. Um era brasileiro e o outro, norte-americano. Nelson Rodrigues, direitista não-declarado, dramaturgo, escritor e cronista. Norman Mailer, esquerdista confesso, dramaturgo, escritor e articulista. Ambos militantes do jornalismo, ambos plenos de desprezo pela objetividade pregada por faculdades e redações.

Foi Nelson que um dia xingou uns e outros de “idiotas da objetividade”. Foi Nelson que, numa mesa redonda esportivo-televisiva, chamou de burro o videotape que insistia em lhe desmentir o veredicto em relação a uma jogada polêmica. Quase cego, mesmo assim Nelson era frequentador assíduo do Maracanã e tecia verdadeiras epopeias sobre jogos que não via. Quem acompanhava suas crônicas ou leu seus livros de coletâneas, como À sombra das chuteiras imortais, sabe que, se seus textos não correspondiam aos fatos, azar dos fatos – parafraseando o jornalista Fernando Calazans, que por sua vez parafraseara o próprio Nelson*.

Usando outras palavras Norman Mailer disse a mesma coisa. Quem quiser conferir pode folhear a piauí do final de 2008. Nas edições de outubro e novembro a revista dedicou várias de suas gigantescas páginas a cartas que Mailer escreveu ao longo de sua vida. Tratando especificamente do texto jornalístico, o autor de A canção do carrasco vitupera contra quem acha possível ser 100% objetivo.

Mailer elogiava o jornal nova-iorquino Village Voice. “O Voice corresponde plenamente à minha idéia de jornal. Seus textos são parciais, tendenciosos, repletos das idiossincrasias e dos fanatismos de cada autor, exatamente como devem ser”, escreveu. “Não me ocorre maldição mais ameaçadora para o jornalismo do que a objetividade, cujo único efeito é ocultar de nós as preferências do autor, que nos permitiriam reinterpretar o que ele escreve e, assim, fazer alguma idéia do que realmente terá ocorrido. Em vez disso, o que nos passam são as preferências, sem as pistas”.

Pois é: de um modo um tanto quanto mais sofisticado, Mailer em suma fala a mesma coisa que Nelson.

Agora chega de citações.

Só não deixa respingar um pouco de si naquilo que escreve e fala quem não tem opinião própria. Ou seja, seria completamente objetivo apenas o indivíduo desprovido de opinião. Mas aí esbarraríamos num aparente paradoxo: pode um ser que trabalha com a transmissão de informações não ter opinião própria, ainda que tal opinião seja de uma imbecilidade atroz? Provavelmente não. A existência de um indivíduo puramente neutro pressupõe uma alienação total e tal alienação não combina com a responsabilidade ou o ofício de dar publicidade ao que ocorre ali na esquina, na cidade, no país ou no Quirguistão.

Quem (heroicamente) chegou até este ponto deve estar pensando que concordo inteiramente com N&N. Pois bem: para esses digo que atingimos um ponto que existe em todo livro/filme regado a clichês. É hora de reviravolta. Explico: não só não concordo integralmente com a dupla, como também penso que eles não estão de acordo em tudo nesse negócio de descer o cacete na objetividade.

Há diferenças nas motivações de Nelson e Norman. Nosso compatriota esperneava em prol do direito de inventar. Ele escrevia e falava sobre jogos, acontecimentos e pessoas que só existiam em sua cabeça. Algo vagamente baseado na vida real. Já Mailer cobrava estilo próprio, opinião, tendenciosidade, enfim, algo mais de quem se dignava a publicar textos.

Na realidade nenhum dos dois se debruçou sobre a questão do texto puramente jornalístico, aquele que é produzido exclusivamente para descrever um fato. O que é natural, pois eles não foram repórteres na acepção da palavra, não ganharam a vida como profissionais contratados para ir à caça de notícias.

Virando o disco (alguém se lembra dos LPs?), vou passar a falar da notícia em si, dos instantâneos da história, coisas do dia-a-dia, fait-divers (quem encarou faculdade de jornalismo teve que se habituar a termos como este).

Apesar da impraticabilidade da objetividade pura, o que as redações e as faculdades deveriam incutir na rapaziada é a honestidade em relação ao que está sendo informado. No caso do texto puramente informativo – não um artigo como este, por exemplo –, que se procure ouvir todos os lados, que se dê o mesmo espaço aos contendores e que se dê mais valor aos fatos.

Tudo bem que se respeite o estilo do repórter, que se preserve sua individualidade, mas o que deve ficar sempre claro é o que é informação e o que é opinião do autor ou do veículo de comunicação. Dependendo da linha editorial de cada órgão, é possível sim fazer um texto informativo, jornalístico combinado a um virtuosismo maileriano, rodrigueano, machadiano, roseano e outros anos.

Em suma, informação com estética, por favor. Mas sem querer distorcer os fatos, né? Bem, na medida do possível...


*Nota: Eu poderia muito bem ter pulado o Fernando Calazans e informado que estava parafraseando só o Nelson Rodrigues. Mas eu não poderia perder a chance de falar sobre o Zico. É que uma vez o Calazans, defendendo o maior ídolo do Mengão contra os babacas que diziam que o Galinho fora um fracasso na Seleção, escreveu no Globo: “Zico não ganhou nenhuma Copa do Mundo. Azar da Copa!” Tal menção – feita apenas para fins de reforçar ou exaltar meu rubro-negrismo – também serve para corroborar a tese de que a objetividade, já que inalcançável mesmo, tem mais é que ir pro diabo que a carregue.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

ARISTÓTELES OMORRIS NUMA CONVENÇÃO DE ARREBENTAR NÃO SÓ A BOCA DO BALÃO

Interregno de paz e harmonia entre amigos

Aristóteles Omorris

Ponta Grossa, Ouro Fino – Mal havia transpassado os monumentais pórticos do castelo de *** (perdão, leitores, mas por motivos de segurança não posso tornar público o local em que ocorreu o convescote que aqui neste pútrido blog será descrito) e lá estava Dick Cheney, todo sorrisos, a esperar-me para aplicar um sonoro abraço.

Meu velho amigo Cheninho contou-me do orgulho que estava sentindo, pois na reunião daquele ano estariam presentes meninos que haviam sido seus alunos. Pena que outros bons aprendizes não poderiam estar presentes por estarem em temporada de, digamos, férias, na base de Guantánamo e em outras masmor..., ou melhor, instalações dos EUA e aliados espalhadas pelo mundo.

Antes da reunião inaugural sentamo-nos com Osama bin Laden, que naquela época ainda não precisava enfrentar a chateação de ter seu nome confundido com um certo presidente. Isso é péssimo para a reputação do meu barbudo amigo.

Bem, enquanto eu saboreava um produto legitimamente escocês de no mínimo 12 anos, Osama e Cheninho relembravam os tempos em que trabalhavam juntos contra a ameaça soviética. “Pô, Osama, meu nego, tu aprendeu tudo direitinho”, comemorou Dick. “E hoje tu é que me ensina”. “Que nada!”, respondeu o arabesco e modesto interlocutor. “Somos um time. Ninguém é melhor que ninguém. Todos temos uma meta em comum”. Cheninho não pôde conter as lágrimas que passaram a banhar seu róseo rosto.

A sirene gritou que precisávamos nos dirigir ao auditório. Lá fomos nós três e, enquanto caminhávamos, íamos cumprimentando os grandes amigos: Ehud Olmert, Kissinger, Kadafi, o Tarso, a Dilma, Kim Jong-il, Putin e aqueles dignos camaradas do Hamas e do Hezbollah, cujos nomes sempre troco (sorry, friends, hehe).

As palestras, os discursos, as apresentações foram chatas como sempre acontece em eventos do gênero, mas o que valeu foi reencontrar essa gente idealista, empreendedora e que faz girar a riqueza do mundo. Sem meus amigos, o que seria da indústria de armas, de caixões, de limpeza de escombros, de segurança privada de líderes impopulares (povo ingrato!) de ocupações, de construção (ou reconstrução), petróleo, entre outros segmentos (incluindo aquela firma especializada em capacetes militares da qual tenho algumas açõezinhas...)?

Aristóteles Omorris, se não fosse um doido varrido, seria um crápula

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

DICA DE LIVRO: BLACKWATER

Não tivesse sido derrotado por Bill Clinton em 1992, o então presidente norte-americano, George H. Bush, teria, num hipotético segundo mandato, colocado em prática as ideias de seu secretário (ministro, para nós) Dick Cheney. O que o grupo do Bush pai queria fazer? Só privatizar as guerras que os Estados Unidos promoviam, promovem e continuarão a promover mundo afora. Só isso...

Clinton e os democratas venceram e ficaram no poder até o início de 2001, pois nas eleições de 2000 o candidato da situação, Al Gore, foi roubado na apuração dos votos. “Ganhou” George W. Bush, o Bush filho.

De volta ao poder, agora como vice-presidente, Dick Cheney finalmente poderia tirar do papel os planos elaborados pelas mais maléficas cabeças republicanas e transformá-los em realidade. E o impulso/pretexto/desculpa/oportunidade perfeito para isso foi o múltiplo atentando aéreo da Al Qaeda, o famoso 11 de setembro de 2001.

A invasão do Afeganistão e, mais tarde, a guerra no Iraque, propiciou às empresas amigas dos republicanos contratos mais que generosos. Em várias dessas companhias petrolíferas, construtoras, de segurança etc. os membros do governo Bush tiveram participação acionária e até cargos de diretoria. Bilhões e bilhões de dólares migraram do Oriente Médio para a Gringolândia.

Mais do que amigas do poder, tais empresas compartilhavam com o grupo titular da Casa Branca uma visão messiânica das coisas, em que o Cristo salvador eram os Estados Unidos. Com o discurso de que realizavam a vontade de Deus, justificavam as maiores barbaridades contra afegães, iraquianos e outros povos “não-escolhidos”.

É nesse contexto que se insere a Blackwater, a mais poderosa e influente empresa de segurança a manter contratos com o governo estadunidense. Seu dono e fundador, o jovem Erik Prince, cristão fervoroso, embora católico (ou seja, minoria entre os próceres da potência do norte das Américas) e a vertiginosamente ascendente trajetória da Blackwater são os personagens principais do livro de Jeremy Scahill. Mas o que interessa mais é o pano de fundo. É saber o que move e o que pensam as pessoas que mandam no país mais poderoso do mundo. É perceber que elas agem e se justificam utilizando-se de quase as mesmas palavras proferidas pela Al Qaeda, pelo Hizbollah, pelo Hamas, enfim, por todos aqueles que elas juram odiar e/ou combater.

É... As teocracias são bem piores que as outras cracias, pois nestas não há como debitar tudo na conta de um ser etéreo, sobrenatural e – sei lá – inexistente.

Quem quiser saber mais sobre o livro e a respeito de como é que fica essa situação com Obama no poder é só clicar aqui.