Ninguém reclamou (e provavelmente jamais alguém reclamará). Então, antes que surja tal improvável reclamação, vou escrever alguma coisa sobre jornalismo, o troço em que me formei, minha profissão, enfim. Coisa chata, de gueto, mas é só uma vez - a não ser que realmente reclamem...
Execração da objetividade conta com aliados improváveis
ou
Nelson Rodrigues e Norman Mailer versus a falta de imaginação
Eles nunca se encontraram, que se saiba. Um era brasileiro e o outro, norte-americano. Nelson Rodrigues, direitista não-declarado, dramaturgo, escritor e cronista. Norman Mailer, esquerdista confesso, dramaturgo, escritor e articulista. Ambos militantes do jornalismo, ambos plenos de desprezo pela objetividade pregada por faculdades e redações.
Foi Nelson que um dia xingou uns e outros de “idiotas da objetividade”. Foi Nelson que, numa mesa redonda esportivo-televisiva, chamou de burro o videotape que insistia em lhe desmentir o veredicto em relação a uma jogada polêmica. Quase cego, mesmo assim Nelson era frequentador assíduo do Maracanã e tecia verdadeiras epopeias sobre jogos que não via. Quem acompanhava suas crônicas ou leu seus livros de coletâneas, como À sombra das chuteiras imortais, sabe que, se seus textos não correspondiam aos fatos, azar dos fatos – parafraseando o jornalista Fernando Calazans, que por sua vez parafraseara o próprio Nelson*.
Usando outras palavras Norman Mailer disse a mesma coisa. Quem quiser conferir pode folhear a piauí do final de 2008. Nas edições de outubro e novembro a revista dedicou várias de suas gigantescas páginas a cartas que Mailer escreveu ao longo de sua vida. Tratando especificamente do texto jornalístico, o autor de A canção do carrasco vitupera contra quem acha possível ser 100% objetivo.
Mailer elogiava o jornal nova-iorquino Village Voice. “O Voice corresponde plenamente à minha idéia de jornal. Seus textos são parciais, tendenciosos, repletos das idiossincrasias e dos fanatismos de cada autor, exatamente como devem ser”, escreveu. “Não me ocorre maldição mais ameaçadora para o jornalismo do que a objetividade, cujo único efeito é ocultar de nós as preferências do autor, que nos permitiriam reinterpretar o que ele escreve e, assim, fazer alguma idéia do que realmente terá ocorrido. Em vez disso, o que nos passam são as preferências, sem as pistas”.
Pois é: de um modo um tanto quanto mais sofisticado, Mailer em suma fala a mesma coisa que Nelson.
Agora chega de citações.
Só não deixa respingar um pouco de si naquilo que escreve e fala quem não tem opinião própria. Ou seja, seria completamente objetivo apenas o indivíduo desprovido de opinião. Mas aí esbarraríamos num aparente paradoxo: pode um ser que trabalha com a transmissão de informações não ter opinião própria, ainda que tal opinião seja de uma imbecilidade atroz? Provavelmente não. A existência de um indivíduo puramente neutro pressupõe uma alienação total e tal alienação não combina com a responsabilidade ou o ofício de dar publicidade ao que ocorre ali na esquina, na cidade, no país ou no Quirguistão.
Quem (heroicamente) chegou até este ponto deve estar pensando que concordo inteiramente com N&N. Pois bem: para esses digo que atingimos um ponto que existe em todo livro/filme regado a clichês. É hora de reviravolta. Explico: não só não concordo integralmente com a dupla, como também penso que eles não estão de acordo em tudo nesse negócio de descer o cacete na objetividade.
Há diferenças nas motivações de Nelson e Norman. Nosso compatriota esperneava em prol do direito de inventar. Ele escrevia e falava sobre jogos, acontecimentos e pessoas que só existiam em sua cabeça. Algo vagamente baseado na vida real. Já Mailer cobrava estilo próprio, opinião, tendenciosidade, enfim, algo mais de quem se dignava a publicar textos.
Na realidade nenhum dos dois se debruçou sobre a questão do texto puramente jornalístico, aquele que é produzido exclusivamente para descrever um fato. O que é natural, pois eles não foram repórteres na acepção da palavra, não ganharam a vida como profissionais contratados para ir à caça de notícias.
Virando o disco (alguém se lembra dos LPs?), vou passar a falar da notícia em si, dos instantâneos da história, coisas do dia-a-dia, fait-divers (quem encarou faculdade de jornalismo teve que se habituar a termos como este).
Apesar da impraticabilidade da objetividade pura, o que as redações e as faculdades deveriam incutir na rapaziada é a honestidade em relação ao que está sendo informado. No caso do texto puramente informativo – não um artigo como este, por exemplo –, que se procure ouvir todos os lados, que se dê o mesmo espaço aos contendores e que se dê mais valor aos fatos.
Tudo bem que se respeite o estilo do repórter, que se preserve sua individualidade, mas o que deve ficar sempre claro é o que é informação e o que é opinião do autor ou do veículo de comunicação. Dependendo da linha editorial de cada órgão, é possível sim fazer um texto informativo, jornalístico combinado a um virtuosismo maileriano, rodrigueano, machadiano, roseano e outros anos.
Em suma, informação com estética, por favor. Mas sem querer distorcer os fatos, né? Bem, na medida do possível...
*Nota: Eu poderia muito bem ter pulado o Fernando Calazans e informado que estava parafraseando só o Nelson Rodrigues. Mas eu não poderia perder a chance de falar sobre o Zico. É que uma vez o Calazans, defendendo o maior ídolo do Mengão contra os babacas que diziam que o Galinho fora um fracasso na Seleção, escreveu no Globo: “Zico não ganhou nenhuma Copa do Mundo. Azar da Copa!” Tal menção – feita apenas para fins de reforçar ou exaltar meu rubro-negrismo – também serve para corroborar a tese de que a objetividade, já que inalcançável mesmo, tem mais é que ir pro diabo que a carregue.
terça-feira, fevereiro 24, 2009
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“Zico não ganhou nenhuma Copa do Mundo. Azar da Copa!” Ésta foi de arrancar pica-pau do oco! rsrsrs...
ResponderExcluirFalando como leigo no assunto, acredito que para os defensores da objetividade, eles podem conta com a tecnologia, criando apresentadores virtuais para os tele jornais, tenho certeza que ele seria bastante imparcial. Mais deixando o; bla bla bla de lado, nada como o velho bom senso.