quinta-feira, novembro 22, 2007

UM TRECHO DO LIVRO "CESALPÍNIA"

Wilson Peres foi a primeira pessoa que Lucano viu ao abrir os olhos. Estava na enfermaria da Polícia Federal.
— Que pena, rapaz. Eu devia ter chegado antes. Aqueles bárbaros...
— O quê?... — Lucano tinha dificuldades para falar. Sentia o gosto de sangue na boca. — Parece... anestesia... de dentista.
— Fica calmo. Você levou cinco minutos de surra. Só isso. Agora descanse. Logo, logo a gente conversa.
Depois de ser entupido com analgésicos — sofrera fraturas no rosto, perdera alguns dentes e teve hemorragia interna —, Lucano dormiu mais algumas horas. Mais tarde, tendo recobrado plenamente a consciência, pediu explicações a Peres.
— Bem de manhãzinha eles receberam um telefonema. Um homem, forçando a voz pra disfarçar, disse, textualmente... Deixa eu ver... Tenho anotado aqui — procurou nos bolsos do paletó. — Achei. Escuta: “O espírito de Wolfe Tone está forte entre nós; o espírito hiberniano agora grassa entre nós. Portão dezoito, Maracanã. Que ninguém esteja lá quando nosso cartão explodir. Libertem-nos e paramos com isso”. Disse isto e desligou. Avisaram os altos escalões. O ministro da Justiça foi um dos primeiros a saber. Logo a Figura me ligou. Disse que tinha mandado os federais pegar você, colocá-lo em custódia. Me mandou vir para cá. Foi para te proteger, compreende?
— Então acham... que eu... eu tenho algo a v... ver com tudo isso?
— Só precaução, entende? A Figura decifrou a mensagem...
— Sei, sei... Hibernia é... é o nome latino... da Irlanda. Wolfe Tone... fundou uma sociedade... os Irlandeses Unidos... Foi no século dezoito... Eles... eles queriam autonomia... libertar-se da Inglaterra.
— Lucano, você...
— Sei que me... me incrimino por saber... essas coisas. Mas você... você sabe muito bem que... que não tenho... nada com isso. A Figura... a Figura decifrou a mensagem... Como eu represento um... um país sem
autonomia... logicamente sou um suspeito... Há lógica aí... Mas sou inocente... Você sabe disso... A Figura sabe.
— Mas esses... esses gorilas não. Julgaram você suspeito e partiram para a ignorância. São uns covardes. Olha o que fizeram com você.
— Devo estar... uma graça, não? Diga-me, Wilson... Não vou poder... participar mais... daquele concurso de... de beleza, não é?
— Como você ainda tem forças para brincar? Olha, Lucano, você vai passar a noite aqui. Mas não se preocupe: o Berger e o Moraes estão vigiando a porta. Amanhã cedo virão o Ari e o Negri. Então você vai ser levado para sofrer uma operação de correção facial. Te vejo amanhã.
À noite um enfermeiro mal-encarado ficou para cumprir as ordens do médico. Mais remédios, entre eles um sedativo. Mas no meio da madrugada Lucano despertou. Sua cabeça latejava. Tanto que não conseguia pensar. Era como se estivessem enfiando brocas com furadeira elétrica em sua testa e no topo da cabeça.
Sentiu vontade de vomitar, mas não tinha nada no estômago. Seu alimento desde que ali chegara era o soro. Subitamente, ouviu uma voz. Numa maca encostada à parede do ambulatório alguém balbuciava palavras entrecortadas por gemidos. Estava escuro. Lucano tentava concentrar-se no que o homem dizia. Decidiu ir até ele.
Sentiu uma dor lancinante no estômago ao sentar-se em sua estreita cama. Ficou sentado por algum tempo de olhos fechados. Ao ouvir o homem dizer, agora claramente, a palavra liberdade, abriu os olhos e, ignorando as dores, levantou-se. Cambaleando, apoiando-se nas outras camas, guiando-se pelo tato, colocou-se ao lado de seu companheiro de infortúnio.
— Meu amigo — disse Lucano, que, na penumbra do ambiente, por mais que se esforçasse não conseguia ver o rosto do homem. — Também pegaram você... por causa das bombas?
— Quem é você?
— Eu... eu sou... um suspeito, eu acho — Lucano gemia enquanto falava; levava as mãos à cabeça, ao estômago e se perguntava se estava dormindo. — E você?
— Um delegado disse que eu tinha colocado a bomba no Maracanã e me deu um chute. Chutou bem no... no meio das pernas. Depois de uns tabefes, me colocaram no pau de arara — sua fala era convulsiva, um tanto quanto alucinada.
— E você colocou... a bomba no... no Maracanã? Eu não fui... E o Wilson sabe que... não fui eu. A Figura também.
— A Figura? Você conhece a Figura? Eu queria conhecer a Figura.
— Não conheço a Figura. Ei... Mas como você... sabe da Figura? É segredo — Lucano falava sem pensar. Gemia e falava.
— Então você também não conhece a Figura. Ninguém conhece a Figura. Só o Styles que fala com o homem. Só ele conhece a Figura.
— St... Styles? Nunca ouvi falar... O Wilson... conhece a Figura.
— O Styles é a única pessoa que conhece meu segredo. Mas se você contar o seu, eu conto o meu.
— Conta o seu primeiro... que eu... eu estou... Sabe quando o dentista anestesia sua boca?
— Tá bem, tá bem. Eu venho de um lugar...
— Dá para falar... mais devagar? Minha cabeça dói mais... quando você fala rápido. Você é... da Cesal... Cesalpínia?
— Cisalpina?
— Cesalpínia.
— Nunca ouvi falar, amigo. Venho do norte. Meu país é uma imensa clareira na floresta amazônica. Oficialmente área desmatada, queimada, inutilizada. Também local de exploração e extração de cassiterita. Sabe os espanhóis e ingleses que entraram pela foz do Amazonas? Pois foram eles que abriram a rota que nós usamos depois.
— Meu amigo, eu estou dormindo?
— Está bem acordado, como eu. Se bem que você está bem mais derrubado. Você está quase caindo. Senta aí nesse banquinho. Isso.
— Você é da Hibernia?
— Então você sabe da mensagem dos terroristas. Styles me falou dela. Não, não. Meu país chama-se Candirúnia. Não gosto do nome, não gosto. Por causa do peixe que o inspirou, o candiru. Um peixinho, um minibagre de três centímetros que dá no mar mas entra pelo Amazonas de vez em quando. Se você nadar pelado em água com candiru, indubitavelmente o peixe nojento vai querer conhecer seus mais profundos recônditos. Disgusting. O pessoal que chegou lá sentiu na carne a abundância do kani’ru, como dizem os tupis.
— Seu nome... Qual é o seu nome?
— Charlton. Raul Charlton. E o seu?
— Lucano. Prazer.
— Prazer. Nossa sociedade é multicultural, mas há uma competição entre as nacionalidades, ou entre o que sobrou das nacionalidades fundadoras da Candirúnia. Sabe por que o Brasil nos mantém escondido?
— Inveja?
— Não. Quer dizer, talvez também por inveja. Mas primordialmente devido às nossas constantes experiências no sentido de encontrar a melhor forma de governo. Não temos esse conformismo doentio, essa imobilidade morrinha dos brasileiros, dos americanos com seu bipartidarismo, do ser humano em geral. No começo era tudo misturado: espanhóis, ingleses, negros, portugueses, índios, holandeses e franceses. Mas aí o rei Mbuto, que era filho de um rei africano trazido para ser escravo no Pará, nos deu a sábia sugestão — Mbuto era uma espécie de líder dos negros; ele fugiu do cativeiro paraense e foi para a Candirúnia...
— Certo... Prossiga.
— Bem, Mbuto sugeriu que nos dividíssemos por afinidade e que cada uma das províncias — a Candirúnia seria dividida em províncias — adotasse um sistema de governo. Ninguém podia imitar o outro, entende? Alguns anos depois o melhor sistema seria então adotado por todo o território. Sabe o que isto significa?
— Acho que sei... Mas... pensar dói... Portanto...
— Certo, certo. Acabamos com o monopólio do poder. Por que ficar sob um só tipo de governo e sob um só governo. Esta foi a primeira etapa. Uns dez anos depois, representantes das províncias, após muitas discussões, apresentação e dados, definiram que o sistema semiparlamentarista da província dos holandeses era o melhor. Por um tempo todos o adotaram. Mas não conseguimos ficar naquela monotonia por muito tempo. Então resolvemos repetir a experiência.
— Minha cabeça... está girando.
— Estou falando depressa de novo, não é? Vou devagar... Um escocês recém-chegado veio com a novidade. Era o ano de mil setecentos e sei lá o quê. Disse que era preciso acabar com a imaterialidade do estado. O estado deífico, meio etéreo, significa distanciamento do povo, favorece os abusos de poder, a corrupção, a irresponsabilidade. Esse sujeito, Patrick Shilton, aventou a possibilidade de entregarmos o governo a um grupo de pessoas capazes. Pagaríamos essas pessoas para que nos governassem. Seria seu trabalho, enquanto nos preocuparíamos com nossa vida.
— Mas não é... o que acontece... normalmente? Pagam-se impostos... e daí os salários aos... governantes e funcionários públicos.
— Mas Shilton queria que as empresas competissem: cada uma foi para uma província para mostrar serviço. Por exemplo, na província de Hispânia a empresa tinha um contrato de quatro anos. Nesse período devia cumprir as cláusulas do contrato. Se não o cumprisse, o contrato não seria renovado.
— Literalmente... um contrato social. Mas de qualquer forma... havia um estado... Pois quem decidia não... renovar com a empresa?
— O povo, oras. Cópias do contrato eram (e são) distribuídas à população. Cada um dá seu veredicto. O povo elege os contadores de “sins” e “nãos”, que divulgam o resultado.
Lucano gemeu e perguntou:
— E a justiça?... É privada também?
— Hoje em dia há juízes eleitos pelo povo. Mas continuamos a fazer experiências. Mas o sistema de estado privado vingou, sabe? As diferenças entre as províncias são sutis hoje em dia. No dia em que acabarem as diferenças então teremos encontrado o estado ideal. Como é chato este Brasil gigantesco vivendo só com um sistema de governo, imutável e incompetente.
— O estado hiperativo.
— Hã?
— A Candirúnia... O regime de vocês... O estado hiperativo... Como você.
— O estado hiperativo. Gostei. Melhor que esse modelo de estado modorrento de vocês ocidentais. Mas nós gostamos de falar em Estados Privados da Candirúnia. Pomposo, não? É um apelido do nosso país. Lá tudo é feito na base do profissionalismo. São profissionais na iniciativa privada e no governo. Aqui é o contrário: amadores no estado e no empresariado. E todos querendo tomar o dinheiro do contribuinte paradão. Como esse povo aceita tudo passivamente, Lucano? Tudo quanto é obra e empreendimento o empresário tem que reservar algum para um deputado, para um burocrata. Falseiam-se as faturas e quem paga a conta é o imbecil chamado povo. É por isso que o estado não quer deixar de interferir na economia. Quanto mais intervenção mais possibilidades de ganho para os donos do estado, Lucano. E o povo que é o estado. E o povo enquanto estado deveria cuidar de si mesmo. Mas o povo é o sujeito que não liga para a feridinha que está se transformando em câncer. O estado é uma perene metástase. O estado é um osso que os insaciáveis cães da elite jamais largarão por vontade própria.
— Se não me... engano... você falava sozinho... Falou em... em liberdade.
— Sabe como é, né? Essa prisão arbitrária, essa violência toda... De repente bateu uma vontade de escancarar tudo. De reivindicar liberdade para meu povo. Eu, particularmente, não explodiria bombas. Prezo muito a vida humana para ficar colocando uma ou várias em risco, entende? Eu estava meio transtornado e nem via que estava pensando alto. Acho que é isso.
— O Brasil também... esconde seu país?
— Você disse também? Quer dizer que você... Então esse é seu segredo. Por isso você também é suspeito.
— Sim... Agora... responda... por favor.
— Ah, claro, claro. Eles nunca disseram claramente o porquê. Mas todos nós candirunianos sabemos que o governo brasileiro, e antes da independência o português, temia que se espalhasse por este imenso território as idéias de experimentação, de tentativa e erro na busca de um sistema ideal de governo. O que sempre importou para os poderosos deste mundo, Lucano, é manter a forma clássica de dominação, de opressão dos menos favorecidos. O que vem acontecendo há tempos imemoriais é a evolução de uma única maneira de governar, que significa o aperfeiçoamento dos meios de exclusão da maioria do processo sócio-político-econômico no que tange à área decisório-funcional em favor de uma casta, de uma minoria que vem sempre gozando dos mesmos privilégios. O poder é para poucos, meu combalido amigo. Se podemos segurá-lo em nossas mãos, para que dividi-lo? Foi por isso que o Brasil baixou o pano entre nós e o mundo. Mas chega de falar de mim e de meu país. Agora quero saber tudo sobre o lugar de onde você veio, sobre o motivo que levou o Brasil a escondê-lo e se você teria coragem de iniciar um movimento pela libertação de seu povo.

sexta-feira, novembro 16, 2007

UMA SÚBITA DIGRESSÃO SOBRE A POLÍTICA

O primeiro mandamento de uma pessoa decente – ou que se pretende decente – deveria ser: “Jamais entrarei em um partido político”. E o segundo: “Nem mesmo simpatizarei com um partido político”.

Não prego a alienação, a entrega da política aos políticos ou o voto branco ou nulo. Pelo contrário. Apenas considero que a maneira mais pura, honesta, altruísta e sincera de se envolver com a política é não pertencer a qualquer partido, movimento ou tendência política.

Essa história de mandamentos invadiu meu combalido cérebro durante a exibição do programa eleitoral gratuito do PSB (dia 15/11/2007). Nele apareceram o cantor Fagner e o escritor Ariano Suassuna. O primeiro confessa que se imiscuiu a apoiar este ou aquele partido, esta ou aquela idéia e – o pior – este ou aquele candidato desde 1986. O segundo voltou a professar sua fé no socialismo.

Santa ingenuidade! Santa? Diabólica! Que candidato ou partido apoiado por Fagner nessas duas últimas décadas deixou de decepcionar a ele e ao eleitor que o apoiou? Que idéia defendida pelo cantor cearense sobreviveu à política rasteira quando seus pregadores chegaram ao poder? Quanto idealismo foi deixado de lado em favor do poder pelo poder e do conteúdo dos cofres públicos?

E que socialismo Suassuna vê no PSB, que hoje abriga uma miríade de políticos que já passaram por partidos que foram identificados mais com a direita e com o centro do que com a esquerda? Aliás, dá pra confiar no esquerdismo de qualquer partido deste país? Ou, para quem gosta, no “centrismo” ou no “direitismo” das nossas agremiações?

Ariano, Fagner e outros românticos talvez continuem embriagados por suas ilusões por uma questão de inércia – ou convicção mesmo, por que não? Mas o fato é que o mundo só vai ser mais justo e igualitário à medida que o ser humano for evoluindo, amadurecendo. Enfim, trata-se de um processo natural.

Sempre que uma pessoa e seus seguidores tentaram acelerar o processo – por meio de revoluções, golpes ou decretos –, o resultado foi o totalitarismo, a tragédia e, por fim, o efeito contrário, ou seja, o retrocesso.

O próprio amadurecimento da humanidade cuidará de dar cabo aos políticos da estirpe à qual estamos acostumados e nos levará a uma sociedade melhorzinha. Enquanto isso, o que podemos fazer de melhor é não ser de partido algum, não se intitular de direita ou de esquerda e, claro, não deixar de descer o cacete na politicalha. Senão, vamos ficar por aí bancando o inocente útil, que nem o Fagner e o Ariano Suassuna.

terça-feira, novembro 06, 2007

ARISTÓTELES OMORRIS É ENTREVISTADO - Parte 2

Não atendendo a pedidos, damos seqüência à publicação da entrevista que Aristóteles Omorris concedeu à revista Tapa Capital. Felizmente é a segunda e última parte do texto. E diga-se, en passant, que a edição em que saiu a entrevista com AO foi a de pior desempenho em bancas na história da revista, que, contam línguas ferinas e bem informadas, depois dessa está pensando seriamente em cerrar as portas.

Tapa Capital –
O senhor foi acusado de ter apoiado o golpe de 1964. O que o sen...
Aristóteles Omorris – Como “acusado”? O senhor é desinformado! Aliás, toda a imprensa e todos os historiadores o são! Eu TRAMEI o golpe de 64! (gritando) Eu fui o grande artífice daquele ato glorioso de nossa história. Devido ao comunismo deslavado que grassava no governo Jânio Goulart (o entrevistado não aceitou que o repórter o corrigisse. Para ele João “Jango” Goulart e Jânio Quadros eram a mesma pessoa...) eu chamei a alta cúpula das Forças Armadas até minha mansão. Em minha sala de estar, enquanto no telão passava o recém-lançado E o vento levou (desta vez o entrevistado ameaçou a agredir o repórter, que o interrompeu para dizer que o filme citado era da década de 1930), intimei os militares a despejar aquela corja do poder. Caso contrário eu sairia do país. Visivelmente preocupados, temerosos de que o já tão combalido Brasil viesse a ficar desfalcado de minha augusta presença, eles resolveram agir. Imediatamente repassei-lhes os planos para a tomada do governo e os nomes daqueles que deveriam assumir os principais cargos. Eles imploraram para que eu assumisse a presidência da República, mas eu disse que tinha assuntos mais importantes a tratar, mas que lhes arranjaria um tempinho para dar um ou dois conselhos aos novos mandatários. Dito isso, fui catar piolhos em Lorde Byron.

TC – Mas Joã... Quer dizer, Goulart não era comunista. Havia gente de esquerda em seu governo, mas não havia indícios de que ele planejava implantar o comunismo ou o socialismo pleno no país. O senhor conhece o marxismo, o comunismo e a evolução do socialismo?
AO – Meu jovem, vou perdoar sua ofensa porque você não sabe do que está falando e não conhece plenamente minha história. É claro que conheço todas as filosofias do mundo, desde Parmênides, o homem que criou o átomo (nesta altura o repórter já havia desistido de corrigir o entrevistado), até Caetano Veloso; de Prosópopes, o inventor da prosopopéia, até Paulo Coelho. Evidentemente Jango Quadros pretendia implantar o comunismo, afinal, seu cunhado era seguidor das idéias de Marcos, o alemão que também escreveu parte do Novo Testamento. (Omorris deve estar se referindo a Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul à época do golpe de 64 e cunhado de Jango. Quanto a Marcos, deve ter algo a ver com Marx, mas... deixa pra lá) Com isso, uma vez no poder, os comunistas pretendiam obrigar o povo a usar aqueles ridículos lenços vermelhos no pescoço. Isso eu não poderia permitir. Foi quando resolvi agir, em nome da moral e dos bons costumes.

TC – Em sua autobiografia, confessadamente escrita por seu macaco, Lorde Byron, o senhor afirma ter sido o mentor do projeto espacial norte-americano, que culminou na chegada do homem à Lua em 1969. Vou citar seu livro: “Desde o início do projeto, os meninos de Nixon vinham me fazer consultas sobre foguetes, cápsulas e efeitos da gravidade”. Mas como isso foi possível, se o projeto começou com os cientistas que o governo norte-americano, muito antes de Nixon, foi buscar na Alemanha nazista, como Von Braun, por exemplo?
AO – Meu Deus, não há limite para a ignorância humana? (transtornado) Os senhores são pobres cordeiros que, inocentemente, acreditam em tudo que lhes contam os jornais e a história. Daqui a pouco vão dizer que o Einstein não colava de mim nas aulas de teoria da relatividade... Vão dizer que não inventei o motor de popa e de proa... Vão dizer que não falei pro motorista da princesa Diana andar mais devagar... Vão dizer que não criei a Aids... Ah, tenha a santa paciência!

TC – O senhor se gaba de comer sempre nos melhores restaurantes, de receber caviar diretamente do presidente da Rússia, mas dois leitores nossos enviaram fotos em que o senhor aparece revirando latas de lixo na rua. Como o sen...
AO – Como ousa? (novamente vermelho, olhos esbugalhados e dentes arreganhados) Eu sei quem são esses leitores! São os malditos Pratão e Pipócrates, a dupla de invejosos, desonestos, bandidos, fracassados e canalhas prontos e acabados! Tenho certeza! Saiba o senhor que ouvi dizer que eles praticam hábitos de Sodoma, que não desprezam a pederastia, que...

TC – Por favor, senhor, não baixemos o nível de nossa entrevista...
AO – Ah, agora eu é que estou baixando o nível... O senhor é que veio com essa pergunta descabida, dando valor a boatos infundados e falsas evidências...

TC – Mas, senhor, nas fotos, que foram consideradas legítimas por diversos laboratórios respeitados daqui e dos Estados Unidos, aparecem o senhor, Lorde Byron e o senhor Tião Macalé. Este inclusive, após encontrar uma espinha de peixe numa lata, foi severamente repreendido pelo senhor por ter tentado esconder o, digamos, alimento, dentro de seu calção. O senhor chegou a atirar uma pedra nele.
AO – Não era uma pedra. Tratava-se de um material menos consistente, que eu também julgara ser uma pedra e... Ei, ei! O que estou dizendo? Não aconteceu nada disso! Trata-se de uma montagem, uma farsa!

TC – Então mudemos de assunto. Gostaria de...
AO – Chega, chega! (extremamente alterado) Esta entrevista está encerrada! Eu desperdicei valiosos minutos de minha atribulada e ocupada vida com os senhores e o que ganho em troca? Insultos, calúnias, ofensas e dissabores vários. Amanhã mesmo embarcarei para a Escandinávia, onde pretendo me recuperar deste triste episódio desfrutando de algumas semanas de merecido e raro ócio nos Alpes Suíços. De primeira classe, obviamente.

TC – Mas os Alpes Suíços ficam na...
AO – Cale-se! Já lho tinha mandado calar-se! Tião! Lorde Byron! Por favor, acompanhem estes senhores até a porta. Passar bem. (visivelmente constrangido, Tião Macalé conduziu o repórter à saída. Já Lorde Byron pulou sobre a câmera do fotógrafo, derrubou-a e começou a enfiar os dedos nos olhos do profissional)

quinta-feira, novembro 01, 2007

MAU-CARATISMO TRICOLOR

Em 1987 os treze maiores clubes do Brasil resolveram fazer um Campeonato Brasileiro paralelo ao da CBF. A primeira divisão, com a concordância da própria CBF, seria chamada de Módulo Verde, e contaria com os integrantes do então recém-fundado Clube dos 13 (Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos, Internacional, Grêmio, Cruzeiro, Atlético Mineiro e Bahia) e mais Goiás, Santa Cruz e Coritiba. O torneio foi batizado de Copa União e seu campeão também seria considerado o campeão brasileiro daquele ano. O presidente do Clube dos 13 era o então presidente do São Paulo, Carlos Miguel Aidar.

A CBF ficou com a organização dos módulos Amarelo, Azul e Branco (segunda, terceira e quarta divisões). Como os clubes de segundo escalão chiaram, a CBF propôs o cruzamento dos dois primeiros colocados do Módulo Verde com os dois primeiros do Amarelo para que só então fossem definidos o campeão e o vice do Brasil em 1987 - que também seriam os representantes do país na Copa Libertadores de 1988.

Claro que o Clube dos 13 não concordou com a manobra, feita na semana de estréia do Campeonato Brasileiro. Por unanimidade, TODOS os 16 participantes da Copa União decidiram que quem chegasse à grande final não cruzaria com os dois melhores do Módulo Amarelo. Como combinado inicialmente com a CBF, campeão e vice do país sairiam do Módulo Verde.

Nem em Portugal já se viu algo assim: o campeão nacional sair do cruzamento dos melhores da primeira com os melhores da segunda divisão! Em tese, o melhor da segunda é pior que o pior da primeira.

Pois bem: Flamengo e Internacional foram os finalistas da Copa União. Na primeira partida da final, em Porto Alegre, empate. Na segunda, Flamengo 1 a 0, gol de Bebeto. Flamengo, campeão brasileiro pela quarta vez, como o Brasil inteiro proclamou, como o Clube dos 13 havia chancelado no acordo original com a CBF, aprovado por todos os clubes, inclusive pelo São Paulo. Se fosse o tricolor paulista (ou qualquer outro integrante da Copa União) um dos finalistas, ele também não cruzaria com Sport e Guarani, os dois melhores do Módulo Amarelo (segunda divisão).

Mas a CBF disse que o que valia era a mudança que ela havia feito no regulamento, à revelia dos maiores clubes do país. Então Sport e Guarani foram a campo para esperar por Flamengo e Inter. Como estes não compareceram, os jogos entre os representantes da Segundona tornaram-se a "verdadeira" decisão do Campeonato Brasileiro de 1987. Deu Sport, que, no ano seguinte, ao lado do Guarani, protagonizou a mais vexatória participação brasileira na Libertadores.

Em 1992 o Flamengo voltou a ganhar o Brasileirão, agora de forma "oficial". Como foi seu quinto título da principal competição nacional, o rubro-negro reivindicou a posse definitiva da taça que desde 1975 era entregue aos campeões brasileiros. Pelo regulamento do torneio, ficaria de vez com o troféu o clube que conquistasse a divisão principal três vezes seguidas ou cinco vezes alternadas.

Só que a CBF, mesmo já com outra administração, recusou-se a enviar para sempre a taça à Gávea e resolveu guardá-la em um cofre da Caixa Econômica Federal. Desde então, o clube mais popular do país ostenta em sua imensa galeria de troféus, uma réplica daquela taça.

Eis que o tempo passou e na noite do dia 31 de outubro de 2007 o São Paulo conquistou seu quinto título do Campeonato Brasileiro da primeira divisão. Como todos foram títulos considerados "oficiais", a CBF avisou que vai tirar aquela velha taça do cofre e entregá-la de modo definitivo ao tricolor do Morumbi.

Até aí, tudo bem. Como até hoje a CBF não dá o braço a torcer, por não admitir seu erro (ou sua safadeza de 20 anos atrás), o lógico para ela é passar o troféu para as mãos tricolores. O problema é o São Paulo ficar com a taça e não a repassar a quem realmente tem o direito de ficar com ela.

Pior que a CBF é o São Paulo, que, ficando com a taça, está jogando no lixo o corajoso acordo entre os grandes clubes, que resolveram não aceitar as imposições estúpidas da entidade máxima do nosso futebol.

Para o Clube dos 13, o Flamengo é pentacampeão brasileiro. Como membro desse clube, o São Paulo deveria receber a taça e, em uma solenidade bancada pela entidade, fazer o repasse do troféu ao time carioca.

Mas o tricolor paulista resolveu agir como um oportunista, um descuidista, um trombadinha, em suma, um mau-caráter, para quem a ética, a grandeza e a magnamidade não passam de empecilhos à sua glória pessoal.

A partir de agora os dirigentes são-paulinos não podem nunca mais reclamar da corrupção nos mais diversos escalões da sociedade brasileira. Afinal, agora eles estão inseridos nesse contexto. Agora eles são uma porção de matéria escura a mais no espesso mar de lama e outras impurezas que envergonha os brasileiros de bem.