quinta-feira, agosto 23, 2007

UM CONTO NÃO-DIALÉTICO



Homo Platonicus

Arminius jamais revelou seus sentimentos por Rroxxannyy. A ninguém. Muito menos a ela própria. Arminius era místico e julgava que seu amor por Rroxxannyy vinha de existências anteriores. Nem que, nos primórdios do sistema solar, ele tenha sido uma rocha que escapuliu de um cinturão de asteróides e ela, um cometa. Mesmo assim, já naquela época, ele a amava.

Rroxxannyy desde sempre suspirou por Arminius. Receosa de tomar a iniciativa e acabar sendo condecorada por termos nada abonadores, ela nutria a esperança de que Arminius meramente notasse sua existência. Mas tudo que seus sentidos diziam é que ele só era feliz e falante com seus amigos. Diante dela, seus olhos desviavam-se e de sua boca não saía nem um balbucio.

O que Arminius e Rroxxannyy não sabiam era que Benoá, recém-chegado à cidade, também tinha pretensões afetivas quanto à garota. Muito tímido e de rígida formação religiosa, a Benoá não só faltava coragem para abordar Rroxxanny como também sobrava medo da desaprovação familiar, uma vez que o objeto de seu desejo não era da mesma religião.

Além de Rroxxanny, outra paixão em comum possuíam Arminius e Benoá. Foi num encontro de numismática que eles transpuseram a barreira do bom-dia/boa-tarde. Alguns meses de amizade depois, Benoá, ainda que claudicantemente, abriu-se com Arminius a respeito de sua outra paixão. O amigo limitou-se a ouvir, embora seu coração tenha disparado como nunca antes acontecera em sua vida e sua cabeça tenha entrado em ebulição.

Desde a revelação de Benoá, a vida de Arminius tornou-se insuportável. Não poderia continuar vivendo com a possibilidade de que outra pessoa tivesse por sua amada os mesmos sentimentos que ele. Pior ainda: e se Benoá tomasse coragem de se declarar a ela? E que desastre seria se ela correspondesse!

Certa manhã as aulas terminaram mais cedo. Chegara a notícia de que Benoá fora encontrado morto em seu quarto. Levantara-se a hipótese de suicídio por envenenamento, mas nenhum bilhete, nenhuma evidência fora deixada. Como soube fingir tristeza muito bem, Arminius recebeu o consolo de vários colegas, afinal, era o melhor, talvez o único, amigo do falecido.

Até Rroxxanny veio lhe dar os pêsames. Aquele sorriso o convenceu de que havia valido a pena. Sim! Agora ela voltara a ser sua exclusividade. Ele poderia voltar a sonhar com ela sozinho.

3 comentários:

  1. Doentio como "Noite na Taverna" e magnânimo como Hamlet. (palmas, palmas)

    ResponderExcluir
  2. Um cínico gozador é o que tu és...

    ResponderExcluir
  3. Francisco,muito obrigada pelo comentário em meu blog.
    Adorei o seu conto e estou, aos poucos, descobrindo vários textos legais aqui.
    Um abraço!

    ResponderExcluir