Só pra dar uma contextualizada básica, isto é parte de uma fictícia entrevista concedida pelo jovem candidato a presidente que protagoniza o livro. A entrevista foi fantasiosamente publicada numa paródica versão da atualmente semanal revista CartaCapital, chamada no engavetado livro de MapaCapital. LC são as iniciais de Laszlo Canto.
MC: Então é isso? Você vai usar seu poder de sedução contra os donos do poder?
LC: Não sei o nome do que vou usar. Só sei que se for preciso conversar pessoalmente com cada deputado, cada senador, cada empresário, cada sindicalista, cada banqueiro, cada fazendeiro, cada oligarca, assim o farei. É impossível conversar com cada cidadão, com cada criança, então tentarei fazê-lo por intermédio da educação. Precisamos urgentemente de uma geração livre dos velhos vícios.
MC: Cada município brasileiro tem uma oligarquia dominante, caciques que decidem quem deve se candidatar e quem deve ser eleito. Que cobram vassalagem de quem está fora do sistema — e que só entra nele para votar. E votar para manter as oligarquias. Algumas tornam-se transcendentes e enviam membros seus para a capital do estado, para o Congresso Nacional e chegam até aos mais altos cargos executivos. São eles que manipulam a verba da educação em suas regiões, que manipulam até mesmo os professores. Haja convencimento.
LC: Educação e exemplo. Estas as armas que utilizaremos. O presidente deve ser um paradigma para a sociedade. Melhoramos de paradigma com o atual presidente. Mas essa mudança de imagem deve ser estendida a todos os representantes do povo. Tenho difundido insistentemente essa visão, essa necessidade, entre nossos correligionários. Quero uma legião de exemplos. Exemplos vivos. Inspiração para o povo, para que as pessoas não permitam ser dominadas. Que abram os olhos para sua semimilenar submissão às mesmas pessoas, que se reproduz geração após geração. Para a massa ignara o feudalismo nunca acabou, sempre existiu como regra do mundo. Não é só da educação normal, antianalfabetizante que essa gente precisa: pretendo oferecer-lhe um banho de cidadania, de ética. Não quero sua alma, quero dar-lhe uma alma. Essa gente poderá ter opção. Opção, pois não pretendo obrigar ninguém a nada. Quem quiser ser vassalo para sempre, assim o será. O problema é que até hoje as pessoas não tiveram opção.
MC: As pessoas não saberiam o que fazer com sua liberdade. É coisa para várias gerações suprimir o instinto de subserviência das pessoas. Desde o homem das cavernas, nós nos acostumamos a depender das decisões de um só. Para o bem da maioria, que apenas um gaste sua energia pensando. Os outros, em troca, dispõem-se a obedecer de bom grado.
LC: Exatamente. Sonho com um estado delegador de responsabilidades. Que gradualmente vá passando certas atribuições à sociedade. Um dos nomes sugeridos para o PLI foi o de Partido do Indivíduo. Não no sentido egoísta do termo, mas no de despertar em cada um a percepção de sua individualidade. Por si mesmo ele pode libertar-se de suas amarras, de sua acomodação, de sua modorra. Creio que um favelado, um indigente absoluto não tem outra alternativa que não acomodar-se, amodorrar-se. A solução imediata, emergencial para o sujeito que chegou a esse estágio é a assistencial e regeneradora. Para os regenerados e para aqueles que não ainda desceram àquele nível, o máximo que o estado deve fazer é criar condições para que tal coisa não aconteça. É inventar meios para que não seja por falta de educação, saúde, emprego que o indivíduo transforme-se em indigente.
MC: Só será indigente quem quiser. Em o indivíduo querendo sê-lo...
LC: Que vá aos Correios. (risos)
MC: O que fazer com quem insistir em ser indigente, parasita, pária, marginal, outsider?
LC: Desde que não prejudique ninguém, laissez-faire. Se a pessoa não tiver condições de viver em sociedade, que abrace o estado de natureza. A mesma política indígena será estendida a quem queira adotar o estado de natureza. Porque acho discriminatório qualquer tipo de tratamento especial. Não haverá uma política específica para o índio, grupo étnico definido, mas para os que decidam viver em estado de natureza. A polícia, o exército continuarão a existir enquanto houver indivíduos dispostos a ferir a liberdade dos outros. Especialmente a liberdade de existir, o direito de ser. Mas se a pessoa tiver uma vocação irresistível para a mendicância, ela não será proibida de exercê-la. Afinal, dá e pede quem quer. Apenas o estado se reservará o direito de não dar. Pois já terá dado tudo àquele mendigo: educação, remédios, ofertas de emprego. Claro que se ele adoecer terá assistência médica gratuita. Agora, colinho e papinha, só a mamãezinha dele. (risos) Obviamente que refiro-me a um estado ideal, ainda utópico. No momento, qualquer governo sério que assuma, devido a situação de emergência em que nos encontramos, terá de adotar por algum tempo uma política assistencialista. Mas ao mesmo tempo criando as condições para que isso não seja necessário no futuro. Está no nosso caderninho.
MC: Mas, em suma, a quebra das oligarquias se dará pela base, desencadeada por uma revolta dos oprimidos? Uma revolta sem sangue, sem um desligamento violento dos antigos laços servis?
LC: Saber para libertar-se; conhecer para saber como usar a liberdade. Uma revolta pacífica, gradual. Quando o velho coronel em sua cadeira de balanço perceber, ele estará mandando apenas em seus boizinhos. O que acontece já nos dias de hoje? Onde há um povo mais educado, ou melhor, com mais escolaridade, a oligarquia tradicional, oriunda do velho coronelato, século XIX, já não impõe sua vontade às pessoas. As oligarquias do Sul preferem exercer seu poder de persuasão diretamente com os pseudo-representantes do povo. São os lobistas a serviço dos magnatas os representantes dos neocoronéis. Então, acabar com as oligarquias tradicionais é atribuição dos indivíduos devidamente instrumentalizados pela ação do estado, enquanto os neocoronéis devem ser combatidos diretamente pelo governo, pela despatrimonialização do setor público. São dois fronts contra as forças conservadoras. A imprensa, a justiça, bem que poderiam dar-nos a mão para fechar o cerco. Elas, no entanto, devem antes limpar a si próprias do entulho atrasadista.
MC: No caso da imprensa, que é minha área, acho difícil ocorrer essa limpeza, pois é patrão contra empregado. É setor privado. Uma revolta pacífica nesse “poder” é quase impraticável.
LC: É possível sim, Nino. Vocês, quer dizer, nós — eu também sou jornalista — chegaremos lá. Como disse a poetisa...
MC: Desculpe-me pela interrupção, mas as moças que versejam gostam de ser alcunhadas de “poeta”.
LC: Mas a palavra “poetisa” é tão bonita. Da mesma lavra de belas palavras de onde vieram “mãe”, “imperatriz”, “rainha”. Por questão de princípios, preferência estético-sonora, inclusive, continuo dizendo que a poetisa Elizabeth Bishop, que morou no Brasil, nos considerou um povo amável, que faz “revoluções sem sangue”. Uma marca da qual deveríamos nos orgulhar. E manter. Faz tempo que ela escreveu isso.
Ola querido irmão, pode confiar que serás reconhecido por este e muitos outros de seus trabalhos!!!!
ResponderExcluirSua irmã DENISE
gostei do conteúdo, coisa de politico sério, o que não é facil de se encontrar, ideal sadio é outra coisa vá em frente!!!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirdentro daquilo que gostamos o horizonte é o limite.
assinado: gestor do BLOG DO PERSISTENTE.