quinta-feira, maio 28, 2009

TRECHO DO ABANDONADO PROJETO DE LIVRO BATIZADO DE "O PARTIDO DO INDIVÍDUO"


Só pra dar uma contextualizada básica, isto é parte de uma fictícia entrevista concedida pelo jovem candidato a presidente que protagoniza o livro. A entrevista foi fantasiosamente publicada numa paródica versão da atualmente semanal revista CartaCapital, chamada no engavetado livro de MapaCapital. LC são as iniciais de Laszlo Canto.



MC: Então é isso? Você vai usar seu poder de sedução contra os donos do poder?

LC: Não sei o nome do que vou usar. Só sei que se for preciso conversar pessoalmente com cada deputado, cada senador, cada empresário, cada sindicalista, cada banqueiro, cada fazendeiro, cada oligarca, assim o farei. É impossível conversar com cada cidadão, com cada criança, então tentarei fazê-lo por intermédio da educação. Precisamos urgentemente de uma geração livre dos velhos vícios.

MC: Cada município brasileiro tem uma oligarquia dominante, caciques que decidem quem deve se candidatar e quem deve ser eleito. Que cobram vassalagem de quem está fora do sistema — e que só entra nele para votar. E votar para manter as oligarquias. Algumas tornam-se transcen­dentes e enviam membros seus para a capital do estado, para o Congresso Nacional e chegam até aos mais altos cargos executivos. São eles que manipulam a verba da educação em suas regiões, que manipulam até mesmo os professores. Haja convencimento.

LC: Educação e exemplo. Estas as armas que utilizaremos. O presidente deve ser um paradigma para a sociedade. Melhoramos de paradigma com o atual presidente. Mas essa mudança de imagem deve ser estendida a todos os representantes do povo. Tenho difundido insistentemente essa visão, essa necessidade, entre nossos correligionários. Quero uma legião de exemplos. Exemplos vivos. Inspiração para o povo, para que as pessoas não permitam ser dominadas. Que abram os olhos para sua semimilenar submissão às mesmas pessoas, que se reproduz geração após geração. Para a massa ignara o feudalismo nunca acabou, sempre existiu como regra do mundo. Não é só da educação normal, antianalfabetizante que essa gente precisa: pretendo oferecer-lhe um banho de cidadania, de ética. Não quero sua alma, quero dar-lhe uma alma. Essa gente poderá ter opção. Opção, pois não pretendo obrigar ninguém a nada. Quem quiser ser vassa­lo para sempre, assim o será. O problema é que até hoje as pessoas não tiveram opção.

MC: As pessoas não saberiam o que fazer com sua liberdade. É coisa para várias gerações suprimir o instinto de subserviência das pessoas. Desde o homem das cavernas, nós nos acostumamos a depender das decisões de um só. Para o bem da maioria, que apenas um gaste sua energia pensando. Os outros, em troca, dispõem-se a obedecer de bom grado.

LC: Exatamente. Sonho com um estado delegador de responsabilidades. Que gradualmente vá passando certas atribuições à sociedade. Um dos nomes sugeridos para o PLI foi o de Partido do Indivíduo. Não no sentido ego­ísta do termo, mas no de despertar em cada um a percepção de sua indi­vidualidade. Por si mesmo ele pode libertar-se de suas amarras, de sua acomodação, de sua modorra. Creio que um favelado, um indigente absolu­to não tem outra alternativa que não acomodar-se, amodorrar-se. A solu­ção imediata, emergencial para o sujeito que chegou a esse estágio é a assistencial e regeneradora. Para os regenerados e para aqueles que não ainda desceram àquele nível, o máximo que o estado deve fazer é criar condições para que tal coisa não aconteça. É inventar meios para que não seja por falta de educação, saúde, emprego que o indivíduo trans­forme-se em indigente.

MC: Só será indigente quem quiser. Em o indivíduo querendo sê-lo...

LC: Que vá aos Correios. (risos)

MC: O que fazer com quem insistir em ser indigente, parasita, pária, marginal, outsider?

LC: Desde que não prejudique ninguém, laissez-faire. Se a pessoa não tiver condições de viver em sociedade, que abrace o estado de natureza. A mesma política indígena será estendida a quem queira adotar o estado de natureza. Porque acho discriminatório qualquer tipo de tratamento especial. Não haverá uma política específica para o índio, grupo étnico definido, mas para os que decidam viver em estado de natureza. A polícia, o exército continuarão a existir enquanto houver indivíduos dis­postos a ferir a liberdade dos outros. Especialmente a liberdade de existir, o direito de ser. Mas se a pessoa tiver uma vocação irresistível para a mendicância, ela não será proibida de exercê-la. Afinal, dá e pede quem quer. Apenas o estado se reservará o direito de não dar. Pois já terá dado tudo àquele mendigo: educação, remédios, ofertas de emprego. Claro que se ele adoecer terá assistência médica gratuita. Agora, colinho e papinha, só a mamãezinha dele. (risos) Obviamente que refiro-me a um estado ideal, ainda utópico. No momento, qualquer gover­no sério que assuma, devido a situação de emergência em que nos encon­tramos, terá de adotar por algum tempo uma política assistencialista. Mas ao mesmo tempo criando as condições para que isso não seja necessário no futuro. Está no nosso caderninho.

MC: Mas, em suma, a quebra das oligarquias se dará pela base, desenca­deada por uma revolta dos oprimidos? Uma revolta sem sangue, sem um desligamento violento dos antigos laços servis?

LC: Saber para libertar-se; conhecer para saber como usar a liberdade. Uma revolta pacífica, gradual. Quando o velho coronel em sua cadeira de balanço perceber, ele estará mandando apenas em seus boizinhos. O que acontece já nos dias de hoje? Onde há um povo mais educado, ou melhor, com mais escolaridade, a oligarquia tradicional, oriunda do velho coro­nelato, século XIX, já não impõe sua vontade às pessoas. As oligarquias do Sul preferem exercer seu poder de persuasão diretamente com os pseu­do-representantes do povo. São os lobistas a serviço dos magnatas os representantes dos neocoronéis. Então, acabar com as oligarquias tradi­cionais é atribuição dos indivíduos devidamente instrumentalizados pela ação do estado, enquanto os neocoronéis devem ser combatidos diretamen­te pelo governo, pela despatrimonialização do setor público. São dois fronts contra as forças conservadoras. A imprensa, a justiça, bem que poderiam dar-nos a mão para fechar o cerco. Elas, no entanto, devem antes limpar a si próprias do entulho atrasadista.

MC: No caso da imprensa, que é minha área, acho difícil ocorrer essa limpeza, pois é patrão contra empregado. É setor privado. Uma revolta pacífica nesse “poder” é quase impraticável.

LC: É possível sim, Nino. Vocês, quer dizer, nós — eu também sou jor­nalista — chegaremos lá. Como disse a poetisa...

MC: Desculpe-me pela interrupção, mas as moças que versejam gostam de ser alcunhadas de “poeta”.

LC: Mas a palavra “poetisa” é tão bonita. Da mesma lavra de belas pala­vras de onde vieram “mãe”, “imperatriz”, “rainha”. Por questão de prin­cípios, preferência estético-sonora, inclusive, continuo dizendo que a poetisa Elizabeth Bishop, que morou no Brasil, nos considerou um povo amável, que faz “revoluções sem sangue”. Uma marca da qual deveríamos nos orgulhar. E manter. Faz tempo que ela escreveu isso.

2 comentários:

  1. Anônimo3:11 PM

    Ola querido irmão, pode confiar que serás reconhecido por este e muitos outros de seus trabalhos!!!!
    Sua irmã DENISE

    ResponderExcluir
  2. gostei do conteúdo, coisa de politico sério, o que não é facil de se encontrar, ideal sadio é outra coisa vá em frente!!!!!!!!!!!!!!!!!
    dentro daquilo que gostamos o horizonte é o limite.

    assinado: gestor do BLOG DO PERSISTENTE.

    ResponderExcluir