domingo, novembro 23, 2008

O POVO CONTINUA NÃO GANHANDO UMA...

Reproduzo artigo que escrevi para a FOLHA DO SUDOESTE em 2005. O texto continua atual, pois a ameaça da reforma política permanece à espreita.


Mais uma derrota do povo

Na semana passada, aproveitando-se dos trovões provocados pela tempestade Jefferson, com seus Correios e mensalões a provocar estragos e a atrair todas as atenções, os poderes executivo e legislativo fizeram aprovar, na surdina, no já importante âmbito da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados um texto que estava merecidamente esquecido e parcialmente sepultado havia uns 10 anos. Trata-se da famigeradíssima reforma política, mais um golpe sobre o cidadão brasileiro, mais uma diminuição dos já parcos poderes do eleitor nacional. Raro caso de união entre situação e oposição (algo que acontece quando se trata do mal comum).

Entre as principais mudanças previstas no projeto relatado pelo deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO) estão o financiamento público de campanhas, o fim das coligações nas eleições proporcionais, além da escolha de deputados federais, estaduais e vereadores em listas fechadas.

Não bastassem o mensalão e os Correios, a Seleção e o Robinho, para desviar do assunto principal, ao falar da reforma política a mídia tem dado maior atenção ao financiamento público de campanhas. Mas aqui a ênfase será devidamente empregada no mais novo achaque da classe política sobre o povo brasileiro: o voto em listas fechadas, que roubará do eleitor o que lhe era aparentemente sagrado, ou seja, o direito de votar em quem lhe desse vontade.

Se o projeto for aprovado em plenário, já a partir de 2006 teremos de nos contentar em votar somente nos partidos, que apresentarão previamente uma lista de candidatos. Os primeiros das listas serão eleitos. Quanto mais votos determinada sigla obtiver, tanto mais parlamentares fará. E quem determinará a ordem das listas e os nomes que as comporão? Os líderes dos partidos. Gente como Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto, José Dirceu, Severino Cavalcanti, Anthony Garotinho, Fernando Henrique Cardoso e outros do mesmo ou pior naipe. Eles vão escolher por nós a partir das próximas eleições.

Semanticamente falando, partido é uma “organização cujos membros programam e realizam uma ação comum com fins políticos e sociais; facção; associação de pessoas unidas pelos mesmos interesses, ideais, objetivos; liga”. Mas, pelo que temos observado ao longo dos últimos, digamos, 500 anos, esse tipo de agremiação junta - com poucas e respeitáveis exceções - pessoas que só levam em conta aquela parte que fala dos “mesmos interesses”.

Com a reforma política que aí está, também fica enterrada a mais de sete palmos de terra a possibilidade da instituição no Brasil da candidatura independente, que existe nos Estados Unidos e outros países. Nada mais democrático do que uma pessoa ter idéias próprias e se lançar candidata sem ter nenhum vínculo partidário - por não ter encontrado um partido que coadune com sua visão ou por princípios outros.

Há quem defen­da os partidos com sinceridade, acreditando, mesmo que atavicamente, que o poder possa ser exercido não por um indivíduo, mas por uma agremiação tempo­rariamente hegemônica. E, caso esse partido não conte com a aprovação popu­lar, outro subirá ao poder na eleição seguinte. É o que acontece em democracias mais antigas e sólidas. Não se está pregando aqui a extinção dos partidos. Acredito, sim, que as pes­soas têm o direito de pensar de modo diferente; e que um indivíduo ou um grupo pode governar sem compor com corporações inteiras; que se podem colocar em julgamento suas idéias, independentemente de acordos prévios e, muitas vezes, escusos: e que se aprove ou não tais idéias; e que se siga governan­do, qualquer que seja o resultado.

No entanto, há quem defenda os partidos justamente para que certa situação vantajosa para si e para os seus mante­nha-se indefinidamente. O sistema que privilegia os partidos é bom para certas pessoas: os líderes, por exemplo, podem decidir entre eles mudanças em tal projeto, ou aprovar ou não tal proposta. Tudo isso à revelia de centenas de individuali­dades, que representam outros milhões de individualidades.

Um antigo e hoje obscuro pensador, Robert Michels, no início do século passado comparava os partidos políticos às instituições militares. Os dirigentes políticos, mesmo eleitos por seus pa­res, tendem a impor à base, sem debate, seus pontos de vista, exigir uma obediência cega de seus mandados, dizia ele.

Eu acrescentaria que a sobrevivência dos partidos nos dias de hoje é resquício do primitivo sentimento de gangue que se verifica em muitos animais. O mesmo sentimento que move as guerras tribais que ainda se encontram em deflagração pelo mundo. Nossos partidos são formados por pessoas que se unem para melhor contrariar os interesses da população dentro de uma base legal, manifesta, ou clandestinamente, à socapa. A união com seus semelhantes lhes dá a sensação de superioridade — e impunidade — so­bre os indivíduos. Essa intensa compra de filiações que costuma acontecer por aqui nada mais é do que a busca por aumento de contingente: como as gan­gues de rua, em cujas brigas a turma vencedora quase sempre é a mais numero­sa. O covarde, quando em grupo, torna-se um super-homem.

Em 1993 houve um plebiscito pelo qual o povo escolheu a forma de governo do Brasil. Como se tratava de uma eleição, houve campanhas no rádio e na TV pela república presidencialista, pela república parlamentarista e pela monarquia (obviamente parlamentarista). Antes do início da campanha oficial, as pesquisas apontavam o favoritismo da república parlamentarista. Mas quando começou o horário gratuito ocorreu uma virada avassaladora e o presidencialismo alcançou uma fácil vitória.

E por que aconteceu essa virada? Simples: os defensores do presidencialismo adotaram o simplista e enganador discurso de que o povo, com o parlamentarismo, deixaria de escolher seu líder máximo. Talvez incauto, quem sabe inculto, o povo engoliu a lorota.

Mas agora, como a reforma política será decidida exclusivamente por parlamentares, todos filiados a partidos, todos receosos do julgamento popular, não haverá campanhas de rádio e TV, a sociedade será mera expectadora e nem os mais sólidos argumentos farão com que mantenhamos o direito de escolher nossos representantes.

segunda-feira, novembro 10, 2008

TRECHO COMPLETAMENTE ALEATÓRIO E FORA DE CONTEXTO DO LIVRO "A CONFRARIA DOS HOMENS DE BEM"

Logo agora que estava em via de psicopatização. Não, o garoto estava bem e logo entraria em contato. Se não o encontrasse na revista, tinha instruções para procurar Abel em ca­sa. Ou em qualquer outro lugar a qualquer momento. Seu celular estaria sem­pre ligado. Certamente Saito estava esperando pelo aparecimento do informan­te. Era preciso paciência nessas situações.
Já no estacionamento Abel realizou o ritual que já se tornava um hábi­to. Discretamente tentava detectar atitudes e veículos suspeitos pelas ime­diações. Viu apenas o pipoqueiro e o vendedor de algodão doce, na verdade agentes de segurança disfarçados contratados por Sforza. Foi-lhes dito que o editor da Proeza vinha sofrendo ameaças e que precisava de uma vigilante proteção. Do outro lado do estacionamento um Tempra branco esperava que Abel saísse para que logo em seguida o escoltasse, procedimento do qual ele já estava a par. Podia partir tranqüilo e colocar-se à espera do deputado, um tipo de ídolo dos confrades, ou então o eleito entre eles para alcançar por outros meios aquilo que eles conseguiam pela remoção de “entraves que impedi­am que a sociedade alcançasse a harmonia e o bem-estar em sua plenitude”.
Pensavam que ele precisava ouvir as palavras de Rosa para finalmente abraçar a causa dos homens de bem. Será que eles não percebiam que ele já pouco se importava se eles matavam suas vítimas por enforcamento ou inani­ção? Que ele já aceitara o que lhe acontecera como natural e inevitável? Os últimos meses ensinaram-lhe a ser mais pragmático. Um tanto quanto cínico ele já era. Agora ele dizia a si mesmo que não adiantava continuar a sentir remorsos ou culpa. O que ele poderia fazer? O sangue não deixaria de impreg­nar suas mãos em hipótese alguma. Se denunciasse a Confraria, poderia ganhar proteção da polícia enquanto assistia às investigações sobre as atividades dos confrades. Proteção? Eles prometeram que não lhe infligiriam nenhum dano físico. Enfim, conseguiriam provar alguma coisa contra eles, contra conspi­radores tão eficientes e meticulosos? Se eles fossem presos, se a Confraria fosse desmantelada, os estranhos e fatais incidentes cessariam, mas os atos inescrupulosos daqueles ligados à administração e à representação públicas continuariam a causar sérios problemas aos menos favorecidos. Eles sujaram suas mãos para sempre ao travarem com ele o primeiro contato.
Melhor permanecer do lado mais justo. Ou menos injusto. Tanto melhor que conseguiu um bom emprego, um salário invejável e a vida que teria pedido a Deus se acreditasse em um. Que importava se estava convencido ou não da justeza dos atos da Confraria? Não estava minimamente disposto a abrir mão do que conquistara; não apearia do cavalo da fortuna. Conversaria normalmen­te com o deputado. Mas nada do que lhe fosse dito alteraria seu pensamento. Estava sinceramente curioso a respeito das idéias daquele homem. E do próprio homem. Queria saber detalhes de seu projeto. Sentia-se privilegiado por vislumbrar o embrião de uma candidatura à presidência da República. Um con­frade-presidente. Idéia impensável, de difícil digestão.

Aleksei preferiu não mencionar ao seu editor o que tinha em mente. Mais prudente seria esperar. Queria conversar antes com Abel; e também deixar que a polícia brasiliense apurasse alguma coisa. Por enquanto, nada de fugir do trivial que o cotidiano lhe oferecia fartamente. O caçula da família Vale dava os retoques finais em sua matéria sobre o dia-a-dia de alguns mendigos da cidade de São Paulo, seus hábitos, seus pensamentos, suas hipóteses sobre o sentido da vida. Descobriu um sem-teto que fora engenheiro, realizador de várias obras de vulto no passado, construtor de viadutos e pontes para anti­gas gestões da prefeitura, e que agora tinha como residência o vão de uma de uma das construções que assinara.

Seus dedos deslizavam pelo teclado não tão rápido como de costume por­que estava fixa em sua mente a imagem com a qual fora agraciado na noite anterior. Depois de deixar o jornal e voltar para casa esperava, ao abrir a porta, encont