sexta-feira, novembro 24, 2006

UM CONTO... FICÇÃO PRA QUEBRAR O GELO

Sinceridade

- Olá, pai. Que bom que tirou o gesso.
- Pois é. Não estava agüentando mais aquele troço.
- É um saco...
- Sabe, filho, durante esse tempo todo parado eu pude pensar em um monte de coisas, rever conceitos e... Sei lá... Uma das coisas que resolvi fazer é falar o que penso.
- Sinceridade total?
- Absoluta. Quero ser franco e honesto o tempo todo daqui por diante.
- Por quê, pai?
- Não sei explicar direito. Também não importa. E já vou começar revelando que eu nunca gostei de você, filho.
- Eu já sabia.
- Já?
- Sim.
- Por que nunca falou nada?
- Porque franqueza total e absoluta pode ser fonte de muito sofrimento.
- Tem razão. Mas, apesar de não gostar de você, tenha a certeza de que o admiro e o respeito muito. Você é o filho que todo pai gostaria de ter: honesto, obediente quando criança, estudioso, generoso, bom pai, bom marido...
- Sei disso, pai. Apesar de tudo, vou continuar amando o senhor, embora saiba que o senhor também não gosta dos outros...
- É verdade. O Juninho, aliás, eu odeio. Sempre o detestei. Ele é um bom garoto, simpático, gosta de trabalhar, faz amigos com intensa facilidade, só quer o bem de todo mundo, mas...
- Mesmo assim o senhor nunca encostou um dedo nele. Em nenhum de nós, é bem verdade. Sempre foi um bom pai: compreensivo, comunicativo, participante, nunca deixou faltar nada...
- É minha obrigação de pai. Vocês todos são ótimos, com exceção de sua mãe.
- Pô, pai! Vai me dizer que também não gosta da mamãe?
- Claro que não.
- Agora foi demais pra mim. Eu vou embora. Tenho que pegar os meninos no colégio.
- Aliás, parabéns.
- Hã?
- Parabéns pra você e pros seus irmãos. Vocês estão criando seres maravilhosos, pessoas que terão um futuro maravilhoso. Meus netos puxaram meus filhos, o que só me enche de orgulho.
- Mas o senhor não gosta deles, não é?
- De nenhum deles.

quinta-feira, novembro 09, 2006

A ESTRÉIA DE PRATÃO E PIPÓCRATES

Filósofos de rua em tempo integral, Pratão e Pipócrates discordam em tudo, mas um sentimento os une: o ódio a Aristóteles Omorris.

- Pipócrates, meu velho, o mundo vai acabar mesmo...
- Por que capetas tu tá falando isso, Pratão?
- Sabe o que minha filha caçula falou pra mim?
- “Pai, me dá dinheiro”.
- Antes fosse isso... Ontem cheguei na hora do almoço e pedi: “Me frita um ovo?”
- E ela?
- “Tá. O da direita ou o da esquerda?”
- AHAHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!
- Pode um negócio desse?
- Achei que tu fosse falar de um troço mais transcendental, algo grandioso, espetacular... Como o Evo Morales.
- Bleargh!
- Sinal dos tempos é o que ele fez.
- Como assim?
- Suponhamos que minha casa tivesse espaço de sobra e eu te chamasse pra construir um puxadinho nos fundos. Você construiria um quarto, um banheiro e ainda faria mais: ajudaria na reforma da minha casa. Tu ainda pintava o muro, cuidava do jardim, fazia o almoço e pagava luz e água. Tu até comprava geladeira, TV de plasma, fogão seis bocas, aparelho de som. Era tudo seu, mas deixava a gente lá em casa usar tudo até tu tê casa própria. Mas aí, certo dia, eu cismo que tu tem que ir embora. Não te quero mais em casa! E, além de te expulsar, falo que vou ficar com sua geladeira, sua televisão etc. E não vou pagar pelas benfeitorias que tu fez. No máximo, num futuro qualquer, vou te pagar um valor simbólico por tudo. E tu não tem direito a espernear. O que tu faria?
- Deixa eu ver... Ah, te matava umas trinta vezes...
- Foi mais ou menos isso que o Evão fez com a gente. E nós aplaudimos.
- Não é bem assim... No caso que tu criou não há um contexto histórico de séculos de exploração e...
- Qualé?! Tá parecendo o bundão do Totó!
- “Totó?”
- Ué, esqueceu o apelido do Aristóteles?
- É mesmo... E ele odiava ser chamado de Totó.
- Uma temporada turística de dez anos pra ele na Bolívia.
- Vá com o diabo, Totó.