segunda-feira, setembro 25, 2006

ARISTÓTELES NAS ELEIÇÕES

Sempre fui contra a corrupção. Quando me pagaram

Aristóteles Omorris

Perolândia, Texas - Aqui, do alto dos meus dois PhDs de la Sorbonne, posso ter um vislumbre mais claro no que tange às eleições brasileiras. Daqui de cima posso ver o movimento dos candidatos, embora eu esteja em nível tão elevado que eles pareçam umas formiguinhas lá embaixo.

Ninguém melhor que eu para cobrar ética na política e também nos aspectos limpos da sociedade. Afinal, já fui honesto.

Recomendo com overdósica veemência que a oposição recolha seus foguetes e pare de comemorar a repercussão desse caso do dossiê. Isso não vai mudar o resultado da eleição. Explico: quem é contra a corrupção e a favor da ética já não ia mesmo votar pela reeleição. Nós, que não ligamos pra esse tipo de coisa, não iríamos - e não vamos - mudar nossa opinião só por causa da revelação de mais um caso grave de desvio de conduta.

E eu tenho moral para dizer que tenho um candidato, pois sou um homem de imprensa, que sabe que deve permanecer neutro, ter uma visão imparcial das coisas. Enfim, que se exploda a oposição!

Apesar de jovem e ainda extremamente perseguido (e apedrejado) pelas mulheres, conheci muitos políticos importantes em minha vida. Na infância, por exemplo, brinquei de bolita com o marechal Deodoro da Fonseca, que mais tarde seria o homem a cometer o famoso Grito do Ipiranga. “Ipiranga, seu ladrão, devolve meu álbum de figurinhas do Chaves!”, gritou Deodoro certa vez.

Também ensinei muito ao jovem Gandhi e ao menino Bin Laden, dois exemplos da convivência pacífica com os diferentes. Assim como todos os grandes homens públicos, sofri bastante com agressões oriundas das fétidas bocas dos adversários. Fui chamado de ladrão por Maluf, Nixon, Ademar de Barros, Collor, Jader, Severino e pelo ditador filipino Ferdinando Marcos. Ninguém aceita ficar para trás em termos de band... Quer dizer, de competência administrativa.

Por tudo isso digo que o Brasil não precisa mudar. Afinal, meu último pupilo está fazendo um trabalho magnífico. Fora que está me recompensando regiamente, admirado da minha visão sensata e isenta das coisas.

Aristóteles Omorris esconde o leite, mas tem muito mais que dois títulos de PhD (Péssimo homem - Desvie)

quinta-feira, setembro 14, 2006

TRECHO DE "A CONFRARIA"

A campanha aproximava-se do final. Naqueles dias as dúvidas restringiram-se a saber quem seriam os governadores, senadores e deputados. Fausto Rosa já era chamado em toda parte de presidente virtualmente eleito. Em uma entrevista coletiva em Porto Alegre já nem perguntavam sobre aspectos de campanha: faziam-se conjecturas sobre como seria o país e o mundo com Rosa no poder.
— Presiden... Ou melhor, deputado — disse um repórter —, o senhor está sendo considerado um fenômeno de nível mundial. O mundo político só fala do “fenômeno Rosa”, discute sua espetacular ascensão e suas idéias. De alguma forma esse alvoroço poderá trazer benefícios ao país?
— Toda notoriedade desprovida de aspectos negativos é benéfica. Esse alvoroço de que você falou pode funcionar como um quebra-gelos para nosso governo, pode facilitar nosso trânsito internacional. Mas o que importa de fato é cumprirmos nossas metas para conosco. O resto é conseqüência. Espero que o mundo seja inundado de conseqüências benéficas por causa de nosso tra­balho. Os americanos intervieram no Vietnã temendo um efeito dominó: se o comunismo imperasse ali, poderia espalhar-se para os outros países do Sudeste asiático. Pois esperamos deflagrar um efeito dominó positivo: começando, pela proximidade, com os países latino-americanos. Esses povos verão que, se nós podemos, eles também poderão. Depois a febre se alastrará pelo mundo inteiro.
— Um continente como a África vai precisar de algo além de inspiração.
— Tem razão. Há muito a fazer pela África. Precisamos levar para lá o discurso da tolerância. É um continente repleto de lutas fratricidas, tribo contra tribo e até escravidão. Uma situação que não leva a nada. Todos somos iguais e o que importa é que estejamos todos vivos e bem. Não importa a que tribo pertença­mos. Por que não viver e respeitar que o outro viva, como mais ou menos dis­se Hegel? Algo parecido com a velha e sábia máxima: “não faças aos outros...” O que sempre fiz a vida inteira. Ou tentei, busquei: não fazer aos outros o que não gostaria que fizessem comigo. Um ensinamento, como gosto de repetir sempre e sempre, ainda que com algumas variações, presente em várias filosofias, não só na cristã. Mesmo Kant a enunciou.
— Mudando de assunto, deputado, o senhor acha que a tendência do esta­do nacional é sumir?
— Quanto ao estado do tipo atual, sim. Só não concordo com aqueles que dizem que processos como a globalização e a disseminação das tecnologias acabarão com as fronteiras, reduzirão o papel dos governantes, exterminarão a democracia representativa.
— Na sua opinião isso não acontecerá?
— Bem, tudo pode acontecer. O estado nacional pode até desaparecer, mas a democracia, não. Porque... Vamos pegar nosso exemplo aqui. Em nosso virtual governo (agora é moda utilizar o termo “virtual”), em nossa virtual gestão, municipalizaremos os serviços públicos. Cada município cuidará da saúde, da educação, seguindo as diretrizes do governo federal. Outros servi­ços serão terceirizados, privatizados. O cidadão paga uma taxa a uma empresa privada para ela recolher e tratar o lixo, por exemplo. A energia, as tele­comunicações, as rodovias, ferrovias, enfim, tudo será privatizado, mas sob o olho vigilante da sociedade, representada pelo estado. Assim que a respon­sabilidade administrativa estiver entranhada nas mais recônditas localida­des, quando elas puderem existir por conta própria, o governo federal poderá deixar de existir. Os governos estaduais hoje em dia o que são? São pratica­mente as lupas do governo federal: fiscalizam mais de perto o que municípios e setor privado estão fazendo com os serviços. Vai acabar o governador toca­dor de obras, comandante de uma multidão de funcionários. Os governos esta­duais serão algo como os ministérios deveriam ser — e o serão em nossa ad­ministração: departamentos enxutos com poder de coerção sobre quem estiver prejudicando a sociedade, abusando dela. Com o tempo, com o total amadureci­mento dos administradores das cidades, com uma ainda maior participação da comunidade, o governo estadual também perderá a razão de ser.
— Então o senhor acha que vai haver uma municipalização do mundo?
— Num prazo longo, pois algumas nações simplesmente não podem prescin­dir de um estado, pois ficariam a mercê de povos de cultura ainda refratária a uma globalização, a uma desfronteirização, povos de estados ainda com sede expansionista, colonizadora, catequizadora, que aproveitariam para atacar seus vizinhos sem comando central. Mas creio num futuro de cidades-estados, em que dos estados, das nações restem somente os nomes. Nome para facilitar a localização geográfica, histórica. Mas as relações ocorrerão entre indivíduos, empresas, instituições e cidades. Um mundo livre da xenofobia, que é um sentimento primitivo, resquício da primeira luta de tribo contra tribo.
Pela primeira vez desde que se iniciara a entrevista, Abel, que estava ao lado de Rosa, resolveu olhar com mais atenção para os jornalistas que abarrotavam a modesta sala cedida pelo sindicato dos bancários. Quando vasculhavam o fundo do recinto, seus olhos detiveram-se ao se deparar com feições familiares. Era Paula Chagas. Trocaram acenos. Pena que ela estivesse acompanhada de seu agora marido.
— Você quer um parâmetro? — prosseguiu Rosa em sua longa resposta. — Haverá estado enquanto houver exército. Este vai acabar quando o último general for para a reserva. Quando não houver por que entrar em guerra. Enquanto houver um excluído da sociedade, haverá estado. Enquanto houver uma pessoa sem atendimento médico ou analfabeta, deve haver estado. Isto se a justiça for um valor eterno. E espero que seja. Portanto, o estado deve estar sempre onde houver um desequilíbrio. Mas não deve criar embaraços à vida de quem viva e deixe viver. Sabem com o que devemos nos indignar? Nós, homens e mulheres de bem, não podemos mais aturar que um por cento da população viva à tripa forra e cinqüenta por cento na miséria. Evidentemente você não pode mudar o caráter, a índole das pessoas. Mas a reforma do estado, seus atos, seus feitos, seu exemplo, podem criar um padrão ético para a sociedade. De qualquer forma garanto-lhes que o estado brasileiro deixará de abonar e de estimular uma condição de degeneração ética. Não será por causa do estado que ainda existirão pessoas que batem nos filhos, que recorrem a drogas, que matam. O cafajeste o é por conta própria. Mas os valores éticos aos poucos dominarão toda a sociedade.
— Deputado, é verdade que o senhor abolirá o uso de fotografias do presidente em todas as repartições públicas?
— Se fosse possível, acabaria com a antiga veneração por chefes, por líderes, baseada nas hierarquias tribais, militares, religiosas. Acabarão os tratamentos majestáticos das cerimônias públicas, dos ofícios. Não exis­tirá mais mais aquela história de excelentíssimo senhor presidente, excelen­tíssimo senhor ministro. É só presidente, só ministro, só juiz, só prefeito, vereador, governador. Só “você”. Ninguém é melhor que ninguém, não. Você perguntou sobre retratos oficiais: outro item a ser abolido. Desde meu pri­meiro dia de governo não mais haverá a foto do presidente em toda repartição pública. Além do que, não há tantas moscas assim para serem espantadas nos asseados escritórios oficiais.
Encerrada a entrevista, Abel foi até onde se encontrava sua antiga su­bordinada para as saudações habituais entre conhecidos que não se vêem há muito tempo. E para trocar um cumprimento frio com o quase desafeto.
— Onde está seu gravador? Não veio falar com o Fausto?
— Estou fora dessa. Hoje sou uma exemplar dona de casa.
— Parabéns. Não sei se teria a capacidade de atingir tal nível.
— Vim por curiosidade. Queria ver o tal fenômeno Rosa de perto... E te rever, por que não? Sabe, até que eu quis te convidar para o casamento, mas naquela pressa, naquela loucura...
— Ei, tudo bem. Também queria me desculpar pela cena no bar. Acho que generalizei quando falei dos gaúchos. E toda generaliz...
— Sabia que não teria coragem de falar o que falou rodeado de gaúchos — disse Joel Breitner.
— Cometem-se muitas injustiças quando se generaliza. Na verdade, por aqui não se vêem tantos outros frescos como se pensa. Parece que tem um sujeito ali que não é. Ah, ele é catarinense. Vi a bandeira de Santa Catarina no gravador dele — disse Abel, já se retirando com o restante da equipe de campanha, que passava pelo local a caminho da saída. — Adeus, Paulinha.